Novas usinas hidrelétricas no rio Parnaíba produzirão mais que energia renovável
Ivo Pugnaloni*
Nos anos de 2011, 2012 e 2013, uma forte seca no Nordeste castigou a economia e a vida população de centenas de municípios do Piauí. Em 90% deles, faltou até água potável, obrigando o governo a decretar “emergência” em 204 cidades, depois da seca haver causado muito sofrimento e prejuízos a mais de dois milhões de pessoas.
Em três anos, o gado, a criação e as lavouras foram totalmente comprometidas e os reservatórios chegaram quase a secar, como a Barragem de Bocaina, mesmo com seus 54 milhões de metros cúbicos.
Grande número de estudos, dentro os quais os de Mead, Clayton, Schell e Haurwitz comprovaram a existência de relação direta entre o ciclo de 11 anos das manchas solares e a hidrologia na Terra, causando entre outros efeitos enchentes e as secas se sucedem com intervalos quase regulares de 11 a 12 anos, também influenciadas é claro, por fatores locais.
O mais impressionante, porém, nesse caso não são os fatos da natureza, que são previsíveis, mas o comportamento imprevisível e insensato das sociedades humanas frente a esses dois extremos de secas e enchentes, pois apesar de previsíveis, esses eventos são esquecidos de forma extremamente rápida, pois quase todos parecemos preferir arriscar a prevenir.
O mandato do governador do estado do Rio Grande do Sul, Eduardo é um recente exemplo disso, ao não tomar nenhuma providência quanto à segurança hídrica dos territórios sob sua administração, apesar de alertado há anos por cientistas e técnicos de reconhecida experiência.
Afinal, “para quê gastar dinheiro para evitar uma seca ou uma enchente que não está acontecendo agora?”, parece ser a regra mais seguida no Brasil.
Tornou-se comum que eleitores e administradores esqueçamos que obras de engenharia levam mais de 10 anos para serem projetadas, licenciadas e construídas. Mas geralmente elas funcionam bem, resolvem grandes problemas e duram décadas.
A CITER, a corda e o dilema do hidrogênio realmente verde
O Fórum Econômico Mundial de Davos, apontou o Brasil na 12ª posição mundial no Índice de Transição Energética (ETI). Nas Américas, somos os primeiros colocados. E somos o terceiro entre os países do G20. Pesaram na escolha o compromisso do Brasil com a energia hidrelétrica, a energias solar, eólica e os biocombustíveis, que estimularam os investimentos em infraestrutura sustentável.
Convidado para participar de um debate em Teresina, no Painel de Diálogo “Inovações e Sustentabilidade das Hidrelétricas” da Conferência Internacional de Tecnologias em Energias Renováveis promovida pelo Governo do Estado, o PNUD e o ICIMA, lembrei que o Piauí havia assumido recentemente não apenas o terceiro lugar capacidade instalada de energia solar, mas também da energia eólica no Brasil.
Uma vez que o convite destacava apenas energia solar e eólica, e o hidrogênio a ser gerado por elas, meus botões tentaram me avisar: “Ivo, você foi convidado para debater sobre usinas hidrelétricas sustentáveis. Isso será como conversar sobre a fabricação de corda em casa de enforcado. Lembre-se que o Piauí só tem uma única usina hidrelétrica, a UHE Boa Esperança, que desde 1968, produz 97% das necessidades do estado”.
Supus também que a proposta do Piauí fosse apenas gerar hidrogênio usando fontes renováveis para vender o gás como “comoditie” barata para a indústria siderúrgica e de fertilizantes na Europa, num mercado altamente disputado por vendedores, pois é reduzidíssimo.
Desobedecendo aos conselhos que me davam meus botões, ao agradecer o convite ao governador Rafael Fonteles, na abertura do evento, fui surpreendido pelo seu abraço e pela sua risada franca ao contar-lhe a história da corda e do enforcado, frente à qual, exclamou: “Mas as hidrelétricas também têm um papel muito importante por serem fontes permanentes e armazenar água”.
Meu ânimo melhorou ainda mais quando, na palestra magna que se seguiu, soube que a Investe Piauí, empresa de economia mista destinada a criar políticas públicas de desenvolvimento econômico regional, quer muito mais do que simplesmente fazer do estado um mero fornecedor do “hidrogênio verde”. Mas sim fomentar pesquisa científica de novos processos industriais de forma a ampliar o mercado consumidor desse gás, restrito hoje à produção de aço e fertilizante.
Nos três dias da CITER, foram mais de 45 debates com especialistas e empresários das maiores economias do mundo, entre as quais a SPIC, empresa sino-australiana e uma das cinco maiores geradoras de energia renovável do mundo, que inaugurou a usina fotovoltaica de Marangatu com 738 MW e que é proprietária da usina hidrelétrica de São Simão com 1.710 MW, sucedendo à CEMIG na concessão que a empresa mineira perdeu em um Leilão.
A incoerência de produzir hidrogênio verde com até 48% de termoelétricas fósseis na matriz
Não existe uma entidade que por meio de um acordo internacional tenha definido o que é hidrogênio verde de forma universalmente aceita. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA): define hidrogênio verde como aquele produzido a partir da eletrólise da água usando eletricidade exclusivamente de fontes renováveis.
Já um governo, a União Europeia, pretende incluir na regulamentação internacional do hidrogênio verde também a produção de hidrogênio verde a partir de gás natural, – que emite a metade de CO2 do que o carvão linhita – 0,6 kg (equivalente de CO2) /kWh, mas com captura e armazenamento de carbono, que irá encarecer muito esse combustível.
O Ministério de Minas e Energia do Brasil propõe um conceito similar ao da IRENA, com ênfase na baixa emissão de carbono durante todo o ciclo de vida do hidrogênio, pois sabe que sem carbono para “sujar” nosso combustível de geração, o preço do hidrogênio produzido no Brasil, seria provavelmente, mais alto do que o produzido na Rússia, nos EUA e na Arabia Saudita por exemplo.
Então, percebe-se que ainda há muita coisa a ser estabelecida internacionalmente, e que poderá não ser exatamente como pensamos, quando se continuarmos prevendo sempre a melhores hipóteses.
Para conhecer melhor o que esteve em jogo na CITER é preciso entender um pouco mais sobre alguns conceitos sobre a produção de hidrogênio.
Primeiro, que o maior custo na sua produção é o custo da energia elétrica. Ou seja: o hidrogênio verde, amarelo, azul ou incolor não é uma fonte de energia, como muitos pensam, mas um gás altamente combustível, com poder calorífico três vezes maior do que metano.
Segundo, que seu custo vai depender, portanto, de quais fontes que são utilizadas para sua produção. E dos custos ambientais que cada uma dessas fontes tem. Por exemplo, em doenças respiratórias, cardíacas, dias de trabalho perdidos, equipamentos de limpeza das emissões, etc.
Sobre as fontes, é muito importante saber que elas podem classificadas como intermitentes ou permanentes. As primeiras são as que não podemos controlar, tais como o sol e o vento. Já as permanentes são aquelas que conseguimos controlar, como as hidrelétricas e as termoelétricas.
Dentre as duas permanentes a mais cara é a termoelétrica, já que 1 kWh dessa fonte custa de 5 a 10 vezes mais caro do que 1 kWh de energia hidrelétrica.
Por isso, se quisermos usar energia solar para produzir hidrogênio durante as 8 horas de sol disponíveis na natureza, vamos precisar de uma fonte permanente para as outras 16 horas.
E só existem duas escolhas possíveis: térmicas fósseis ou hidrelétricas. Se não escolher nenhuma das duas, à noite, nos dias nublados e chuvosos a nossa fábrica de hidrogênio (do Piauí ou de qualquer lugar do mundo) vai ter que parar. E não vai conseguir pagar os juros que correm de dia, de noite e de madrugada.
Se fizermos a primeira escolha, optando pelas usinas hidrelétricas do Parnaíba, a população terá a vantagem de também servir para recarregar as grandes reservas subterrâneas de água do Piauí no Urucuia e no Poti, fazer irrigação como no Projeto Público de Irrigação Tabuleiros Litorâneos, usar para piscicultura, para fruticultura, servir para a contenção de enchentes, combater a seca e regularizar o nível das águas, contribuindo assim para a segurança hídrica do estado e sua população.
Além disso elas permitirão por meio de eclusas a navegação fluvial por hidrovias, a recreação, o turismo e o lazer. Inclusive com praias artificiais e colônias de férias.
A segunda escolha seria equivalente a preferirmos não pensar em quem irá gerar à noite a energia necessária para produzir hidrogênio. E fazer como fazemos sempre com a segurança hídrica: a esqueceríamos até a próxima seca.
Na prática isso seria escolher usar térmicas que já existem conectadas ao sistema interligado nacional, poluindo a nossa matriz, pois as hidrelétricas não são construídas há mais de 15 anos, graças à estranha mania de as “demonizarmos” seguindo as orientações técnicas de profissionais que atuam em novelas, séries e programas humorísticos.
Assim agindo, iriamos na contramão dos compromissos do Brasil com o meio ambiente. Usaríamos termoelétricas durante as 16 horas da noite e da madrugada, e solar durante parte do dia, pois de manhã e à tarde a geração solar cresce e decresce com a inclinação do sol.
O resultado dessa escolha infeliz, seria que no Piauí não produziríamos hidrogênio que pudesse ser chamado de “verde” no mercado mundial. Pelo menos enquanto o gás natural não é incluído como “verde” à força, nas normas e acordos internacionais, como quer a Alemanha.
Graças à nossa política energética nos últimos anos, as termelétricas hoje já são 38% da nossa capacidade instalada e a partir de 2026 até 2030, segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia elaborado pelo MME, elas serão são responsáveis em alguns meses do ano, por até 48% da energia injetada no sistema interligado nacional.
O mais recente relatório da ONU sobre o IDH do Piauí, mostra que esse indicador saltou de 0,48 no ano 2000, para 0,71 em 2020, nota que colocou o estado no nível “alto”, segundo a classificação das Nações Unidas. Mas apesar do acelerado crescimento do IDH nos últimos 20 anos, o Piauí ainda apresenta o segundo mais alto índice de desigualdade social (índice de Gini) entre os estados brasileiros, com 0,552, perdendo apenas para a Paraíba, com 0,559.
Um indicador que não deve ter passado despercebido ao governador Rafael Fonteles, que com um time de especialistas na administração estadual, busca aplicar avançadas técnicas de crescimento com oportunidades mais iguais, que tirem o Piauí desse verdadeiro “record” de desigualdade.
Hidrelétricas do Parnaíba: segurança hídrica, transporte intermodal e o hidrogênio verde
Os aproveitamentos identificados no rio Parnaíba pelo inventário de potencial hidrelétrico elaborado pela CHESF para a ANEEL, são as Usinas Hidrelétricas de Taquara (43 MW), Canto do Rio (65 MW) Ribeiro Gonçalves (174 MW) , Uruçuí (164 MW), Cachoeira (93 MW), Estreito (86 MW), Castelhano (94 MW) e Taboa (98 MW) que fica no rio Balsas.
Os titulares dos projetos aprovados são a CHESF – Companhia Hidroelétrica do São Francisco, hoje incorporada à ELETROBRÁS, a Construtora Queiroz Galvão S.A., CNEC Projetos de Engenharia S.A., ENERGIMP S.A., Minas PCH S.A e ECE Empresa Comercializadora de Energia S.A.
Estes aproveitamentos totalizam 817 MW de geração instalada, equivalente a três vezes e meia a potência da Usina Boa Esperança, estando situados nos municípios de Tasso Fragoso, (MA), Ribeiro Gonçalves e Santa Filomena, Loreto e Sambaíba, Benedito Leite e Uruçuí, Floriano, Jerumenha, Guadalupe, Barão de Grajaú e São João dos Patos, Amarante, e São Francisco do Maranhão. Em todos eles, são previstos pequenos negócios de turismo rural, balneários, parques aquáticos, pousadas e hotéis, que geram muitos empregos e renda nos municípios interioranos.
O investimento total atualizado para junho de 2024, seria de 12,16 bilhões de reais, dos quais aproximadamente 58% serão de obras civis, nas quais empresas piauienses, maranhenses e nordestinas podrão participar.
O faturamento mensal com a venda de energia a preços do leilão anunciado será de 115 milhões de reais por mês e receita de ICMS de 24 milhões de reais mensalmente.
Cinco destas usinas já tem licenças ambientais vigentes desde 2014 e 2020. Mas as construtoras e fornecedoras de equipamentos ainda precisam ser definidas por estes titulares.
Para o licenciamento ambiental dessas 8 usinas foram realizadas dezenas de Audiências Públicas, em todos os municípios atingidos, com a presença de 1700 moradores ribeirinhos que serão indenizados e alocados de forma conveniente, como previsto nos estudos ambientais aprovados.
Consultando os projetos aprovados pela ANEEL, verificamos que felizmente, todos eles preveem eclusas de dimensões a serem fixadas pelo projeto da hidrovia do rio Parnaíba, prevista no Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH), concebido pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) em 2013.
Sem reservatórios e eclusas que nivelem as águas, seria impossível garantir aos usuários de uma hidrovia no Parnaíba, a navegabilidade durante 12 meses num rio com a extensão de 1700 km, ainda mais ignorando dispositivos legais envolvidos.
Vale ressaltar que o artigo 176 da Constituição Federal atribui à União a propriedade dos potenciais de energia hidráulica, que pode autorizar ou conceder a sua exploração, mas nunca deixar de aproveitá-los, ignorá-los ou desfazer-se deles. Ou ainda, negar sua existência por qualquer razão.
Nesse sentido, levantamento realizado mostra que existem mais de 250 outros aproveitamentos de pequeno porte, em afluentes e subafluentes do Parnaíba, podem utilizar micro usinas hidrelétricas conectadas ao sistema elétrico na modalidade de geração distribuída, (GD) que é a mesma usada pela conexão de usinas solares, porém trabalhando 24 horas.
Hidrovias e hidrelétricas com eclusas: por que elas são tão demonizadas no Brasil?
O Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH), prevê mais de 20 mil quilômetros de hidrovias desde 2013, mas desse total poucas foram instaladas, face aos poderosos interesses que contrariam num país “cartorial” como o Brasil, dividido ainda em verdadeiras capitanias hereditárias.
Afinal, no Brasil, tudo o que é bom e barato como as hidrovias e as hidrelétricas sofre violento boicote devido aos poderosos interesses que ambas contrariam
Pouca gente sabe por exemplo, que o transporte de grãos por hidrovias é 9 vezes mais barato do que por caminhões, e 3 vezes mais barato do que por ferrovias.
Prova disso é que o orçamento para transporte hidroviário tem sido subutilizado no Brasil, por falta de planejamento coerente, disputas entre órgãos da mesma administração que impedem o avanço dos projetos. Por mais inacreditável que pareça, mas em 7 anos, Brasil deixou de usar R$ 238 milhões destinados a hidrovias, pois entre 2014 e 2020, o valor não utilizado em melhorias no setor corresponde a 111% de um orçamento anual inteiro, de acordo com levantamento da UnB e do DNIT.
Já ficou célebre por exemplo a absurda “oposição” que fazia o MME à construção de eclusas simultaneamente com as hidrelétricas, a qual o DNIT tentava reagir, mas não com muita vontade, pela pressão do transporte rodoviário para impedir a concorrência da navegação.
Graças a essa verdadeira sabotagem (desculpem, mas não consegui pensar em palavra melhor) a navegação fluvial no Brasil é extremamente reduzida em relação a outros sistemas tendo a menor participação de todos no transporte de mercadoria no país.
Isto ocorre também, é verdade, por fatores físicos e geográficos, pois muitos de nossos rios são de planalto e, portanto, encachoeirados, dificultando a navegação sem a regularização de nível e a construção de eclusas É o caso dos rios Tietê, Paraná, Grande, São Francisco e outros. Já os rios de planície como Amazonas e Paraguai, estão afastados dos grandes centros econômicos. Nada que a engenharia não pudesse resolver.
Nos últimos anos foram realizadas várias obras, para tornar os rios brasileiros navegáveis. Eclusas são construídas para superar as diferenças de nível das águas nas barragens das usinas hidrelétricas. É o caso da eclusa de Barra Bonita no rio Tietê e da eclusa de Jupiá no rio Paraná, já prontas.
Existe também um projeto de ligação da Bacia Amazônica à Bacia do Paraná. É a hidrovia de Contorno, que permitirá a ligação da região Norte do Brasil às regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, caso implantado. O seu significado econômico e social é de grande importância, pois permitirá um transporte de baixo custo.
No rio Parnaíba, existem já inventariadas pela ANEEL e já licenciadas pelo IBAMA nada menos do que 8 hidrelétricas com capacidade total de 817 MW. Mas felizmente todas elas têm projetos com eclusas, que explicando ao leitor leigo, são obras de engenharia que permitem que as embarcações subam e desçam rios em locais onde há desníveis, tais como barragens, quedas de água e corredeiras.
Elas funcionam como elevadores para embarcações onde duas portas separam os dois níveis do curso d’água. Esse sistema viabiliza a transposição de obstáculos que existem entre os trechos navegáveis e ameniza os impactos dos ciclos de chuvas ao longo do ano.
Dessa forma, além de aumentar a extensão navegável, possibilita o trânsito de embarcações durante um maior período do ano.
Nas hidrovias as cargas são transportadas por barcaças, fato que permite que cargas enormes deslizam sobre a água, com muito menos atrito e gastando muito menos diesel. Elas poluem a atmosfera em muito menor intensidade e não desgastam as rodovias, são mais seguras, evitando acidentes, sem consumir pneus, permitindo que o manejo da carga seja mais seguro, automatizado, eficiente e rápido.
Mas nem todos acham bom que as hidrovias gastem menos diesel e não causem acidentes. Nem que usem barcaças e rebocadores fabricados no Brasil, ao invés de caminhões.
Afinal, se existirem mais hidrovias no Brasil, os custos do frete nos preços de venda de grãos irão ser reduzidos, e isso iria aumentar a competitividade dos nossos produtos agropecuários no exterior, suplantando as exportações dos países que concorrem no mercado da soja por exemplo, como os Estados Unidos da América.
Além disso, as hidrovias iriam gerar mais receita, mais empregos na agricultura e na indústria de alimentos. Por isso, há gente que não vê com bons olhos que construamos mais hidrovias no Brasil.
E elas fazem de tudo para que isso não aconteça, de duas maneiras. Uma é impedindo a construção de barragens, diques e construções como eclusas, que regularizassem o nível das águas, permitindo que as barcaças naveguem o ano todo.
Outra maneira é projetando e construindo hidrelétricas, mas de forma absurda, fazendo isso sem prever eclusas nos projetos dessas obras vitais, “esquecendo” de projetá-las.
Ou esquecendo de construí-las como aconteceu na UHE Boa Esperança onde as eclusas de montante e jusante já estão construídas, faltando apenas construir um pequeno canal de ……metros para interligá-las, permitindo que barcaças menores possam vencer o desnível de 50 metros entre um trecho e outro do rio.
São eclusas relativamente pequenas, de 12 metros de largura por 22 de comprimento, que permitem apenas a passagem de barcaças menores é verdade, frente ao tamanho das que existem hoje, que medem 14 metros por 77 metros. Mas que podem funcionar em curto prazo, e serem completadas por outras maiores, mais adequadas ao tamanho atual das barcaças.
Sem energia de novas hidrelétricas para funcionar à noite e usando apenas as energias renováveis que são intermitentes como solar e eólica, o sistema vai precisar cada vez mais usar térmicas fósseis, 10 vezes mais caras e 60 vezes mais poluentes. E isso não apenas de noite, mas durante os dias nublados e chuvosos, gastando cada vez mais combustíveis fósseis para gerar energia que podia ter sido gerada com água corrente.
Sem hidrovias vamos precisar cada vez mais caminhões e mais combustíveis fósseis para transportar nossa carga de grãos! É verdade que isso é muito bom para transportadores rodoviários e para importadores de combustível, mas é péssimo para as indústrias, o comércio, a agricultura e os consumidores residenciais.
Isso vai fazer custo de produção dos produtos industriais do Brasil continuar nas nuvens, e assim perderem competitividade no mercado exterior. Mas seria de grande vantagem para os produtores de países que exportam derivados de petróleo para o Brasil e concorrem com nossos produtos agropecuários e industriais no comercio exterior!
O mais inacreditável seria que nesse caso os investimentos em inventário hidro energético, estudos ambientais, projetos de engenharia e em licenciamento no IBAMA já estejam feitos. E seriam jogados fora.
Além disso, os potenciais pertencem à união federal que não pode simplesmente riscá-los do mapa, como se fossem inexistentes, como se alguém concretasse a entrada de uma jazida de ouro ou um campo de petróleo, depois que 6 empresas particulares já terem investido nos projetos. Ou mesmo desistido deles.
O melhor é que o governo do estado não precisaria investir nada. Bastaria não tentar impedir a iniciativa privada de investir em outra forma renovável de geração que opera 24 horas por dia, gerando até 24 milhões por mês de ICMS sobre a energia.
Ainda mais se, a navegação e a segurança hídrica só podem ser atingidas no Piauí com barragens previstas em um investimento que será feito por terceiros em favor do interesse público que existe na segurança energética do futuro do estado, na estabilidade do sistema elétrico nacional e no interesse privado no lucro.
O planejamento regional é exatamente isso: conciliar interesses públicos e provados a curto, médio e a longo prazo. Esse diálogo é muito importante nessa hora e esse o papel de um Programa de Planejamento e Desenvolvimento Regional Estratégico: conciliar vários projetos para obter os máximos resultados e rendimentos, que projetos separados e individuais, nunca poderiam alcançar.
Além do que, é difícil pensar que um usuário ou empresário privado investisse um centavo num projeto de hidrovia sem a garantia jurídica de que os direitos da União e de outros empresários na exploração dos potenciais energéticos não seriam exercidos em algum momento por terceiros.
Se a união federal já tem esses potenciais inventariados, ela os fez disponíveis aos interessados. Os atuais, ou outros que a eles se habilitem na forma da lei. Cuja iniciativa não pode impedir para construir uma hidrovia.
Esse foi exatamente o caso que os adversários do crescimento do Brasil aproveitaram no passado para não construir nem hidrelétricas nem hidrovias: alegar, falsamente, existir conflitos inconciliáveis entre a geração de energia e a navegação.
E com isso, ficamos sem poder construir nem uma nem outra, favorecermos o consumo de derivados importados de petróleo, tanto na geração de energia como no transporte rodoviário. Além de, propiciar de forma tola, a perda de competitividade da produção industrial e agrícola do Brasil.
A Agência Brasileira de Inteligência, (ABIN) preparou em 2012 um relatório a respeito das atividades, métodos, bem como sobre as fontes de financiamento das campanhas de “demonização” da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, cujo resumo foi disponibilizado na internet pelo falecido jornalista Paulo Henrique Amorim.
A erosão do Parnaíba. Um fenômeno milenar que foi agravado.
Faz 450 milhões de anos que o rio Paranaíba, tem transportado bilhões de toneladas de sedimentos dos seus mais de 1.700 km de extensão. Ele transporta tanto sedimento, que conseguiu formar o único delta no mar aberto no continente americano. Isso prova a força de suas águas e a enorme quantidade de sedimentos que transporta muito antes de aqui chegarem os homens brancos.
O processo de assoreamento do Parnaíba acentuou-se muito depois dos anos 70 e segundo alguns teria sido provocado pela destruição das suas matas ciliares pelos agricultores e pecuaristas, que teria provocado erosão do solo arenoso, tanto nas suas margens como nas dos seus afluentes.
Mas é impossível não associar a erosão das barrancas do Parnaíba à forte variação sazonal do nível de suas águas e principalmente à ondulação provocada pela passagem dos barcos, deslocando offndas que ao chocarem-se com as margens frágeis de terreno arenoso, provocam o fenômeno das “Terras caídas” previstos na Resolução CONAMA N° 454, de 1º de novembro de 2012.
Basta visitar pessoalmente o “Velho Monge” para constatar essas duas realidades que colocam a qualquer cidadão a obrigação de fazer algumas perguntas importantes.
A simples dragagem do Parnaíba, sem regularizar seu nível, permitirá uma hidrovia?
Ou seria o caso de fazer do limão uma limonada e planejar programa integrado de desenvolvimento regional, onde o a segurança hídrica e a navegabilidade fossem a principal motivação, parecido com o que Franklin D. Roosevelt construiu no do vale do rio Tennesee, no Meio Oeste americano?
Afinal, pensando bem, quantos meses durariam de pé as margens submersas do canal dragado, se mantidas as condições atuais de erosão das margens, acrescidas dos efeitos graves que as ondulações provocadas pelo deslocamento das novas embarcações?
A esse respeito vale lembrar que até 1937 a “Tennessee Valley Authority” – TVA não apenas realizou um simples trabalho de dragagem, mas executou um programa construção de diques de contenção, revestimento e reflorestamento das margens, para implantar o maior sistema aquaviário das Américas numa área de 105.000 km2
A TVA construiu na época um conjunto de 29 usinas hidrelétricas equipadas com eclusas, não só para gerar energia barata, mas para regular e manter estável o nível das águas, impedindo secas e enchentes, tornando segura e viável a navegação o ano todo, escoando a produção dos oito estados do meio oeste americano.
Os reservatórios das hidrelétricas foram fundamentais para acabar com as inundações frequentes, combater a malária e outras endemias, viabilizar a piscicultura, a fruticultura e a aquicultura, por meio de irrigação com águas superficiais e não de reservas subterrâneas como acontece hoje no Brasil.
As 29 usinas hidrelétricas da TVA estimularam a industrialização do Meio Oeste com energia elétrica barata, viabilizando os grandes projetos de eletrificação rural de Roosevelt.
Além disso, em seus reservatórios elas criaram praias artificiais, centros de recreação e colônias de férias e instalações desportivas, fomentando o sentimento comunitário, combatendo a evasão escolar, estimulando a consciência patriótica dos jovens, a socialização entre as pessoas e o aumento da escolaridade
A Tennessee Valley Authority (TVA) opera atualmente 45 usinas hidrelétricas, mas também possui usinas a carvão, gás natural, duas nucleares e várias de energia solar e eólica em seu portfólio de geração de energia.
Tudo isso lembra muito o que o governador Fonteles e sua equipe pretendem realizar com o projeto de transporte intermodal que vem sendo estudado para a bacia do Parnaíba, que é quase quatro vezes maior do que a do Tennesse, com seus 344.112 km².
Lembra-nos também que 81% das propriedades rurais do Piauí, ainda não foram atendidas por eletrificação rural, apesar dos grandes avanços do programa “Luz para Todos” que foi interrompido, mas pode voltar a existir e por certo demandará, mais energia. Dia e noite.
Vale lembrar que o rio Tennesse nasce a 248 m de altitude e não poderia comportar uma hidrovia ao longo de 1050 km sem barragens que regularizassem o nível da água nos seus vários trechos, permitindo que embarcações naveguem o ano inteiro tanto vazias quanto carregadas.
O que dizer então do Parnaíba, que nasce a 1700 km da sua foz, na altitude de 700 metros?
Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos da América, foi o grande idealizador desta obra, que não é um projeto apenas de engenharia e transporte, mas sim de agricultura, pecuária, educação, assistência, habitação, segurança alimentar, segurança hídrica, recreação e turismo.
A nossa preocupação, como convidado da CITER é dizer que uma obra de grande responsabilidade como uma hidrovia, da qual dependerão tantos desdobramentos socioeconômicos, precisa seguir o princípio da precaução, que deve ser o norteador no estudo de sua viabilidade.
Empregar recursos vultuosos em dragagem para daqui a poucos anos, durante às próximas secas, vermos barcaças encalhadas, safras com lucratividade ameaçada por logística improvisada, e muito mais cara, seria um verdadeiro desastre econômico, social e político. Algo que vimos acontecer no próprio rio Amazonas e em seus principais afluentes.
As melhores referencias de uso múltiplo de hidrelétricas em programas de desenvolvimento são sem dúvida as da Tenesse Valley Authority (TVA), nos EUA.
Baseada no uso verdadeiramente múltiplo e cuidadosamente planejado do uso dos cursos d’água de uma bacia hidrográfica, a criação da TVA em 1933 foi decisiva, mas não apenas para a contenção de enchentes e a construção de hidrovias confiáveis.
Nos EUA até hoje se diz que sem a TVA não haveria a industrialização da economia americana, que apenas oito anos depois, iria enfrentar uma guerra mundial travada contra as maiores máquinas de guerra até então, a alemã e a japonesa.
Uma grande vitória militar para a qual contribuiu sem dúvida a geração de energia elétrica mais barata que possibilitou a produção mais automatizada e eficiente de grandes quantidades de equipamento militar, produtos siderúrgicos, químicos e metalúrgicos.
Também no Brasil tivemos experiencias muito importantes nas hidrovias do Rio Paraguai e do rio Tietê com suas 13 hidrelétricas com eclusas, da CODEVASF no Baixio do Irecê, no vale do São Francisco e no programa de eletrificação rural “CLIC RURAL”, no Paraná, realizado pela COPEL.
A este respeito vale notar que no vale do rio Iguaçu, onde tal como no Rio Grande do Sul, o estudo do INPE provou que as chuvas aumentaram em 30% de volume em 63 anos, não existiram mais enchentes nos seus trechos médio e baixo, onde a COPEL construiu 6 hidrelétricas.
Mas, infelizmente, as usinas do Iguaçu foram construídas sem eclusas, graças à visão equivocada do MME que já naquela época impediu a construção delas. E que hoje poderiam ter reduzido em pelo menos em até 60% os custos de transporte de grãos do oeste e sudoeste do estado até Curitiba e daí ao porto de Paranaguá
*Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni é engenheiro eletricista e foi diretor de planejamento da COPEL e diretor presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, diretor do Instituto Estratégico do Setor Elétrico (ILUMINA), fundador e primeiro presidente da ABRAPCH, associação brasileira de pequenas hidrelétricas, secretário adjunto de transportes de Curitiba, membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia do Paraná. professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná e membro do Grupo de Diretrizes do Setor Elétrico do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje Ivo é o presidente da ENERCONS Consultoria em Energias Renováveis. www.enercons.com.br