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Exportação de energia e leilões exclusivos para usinas reversíveis devem impulsionar hidrelétricas, diz Marisete

    Marisete Dadald Pereira, presidente da Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica), busca recuperar o espaço das hidrelétricas na matriz elétrica nacional. Ex-secretária do MME (Ministério de Minas e Energia), ela vê na exportação de energia para países vizinhos e nos leilões exclusivos para hidrelétricas reversíveis (que bombeiam água para um reservatório extra), soluções para impulsionar a geração hídrica.

    Marisete destaca que tem atuado junto ao MME (Ministério de Minas e Energia) e aos órgãos vinculados para o “uso mais eficiente da água”, que muitas vezes é desperdiçada por já ter “vento ou sol” atendendo a demanda ao longo do dia. Uma possível solução seria viabilizar, por meio de uma portaria, a exportação de energia, além de reestruturar o modelo de despacho do operador.

    Outra alternativa seria o fomento de usinas reversíveis no Brasil. Ela destaca que a tecnologia já é utilizada no exterior, e se trata do bombeamento de água do reservatório principal para outro, que atuaria como uma “caixa d’água reserva”, armazenando a água enquanto não for interessante gerar energia. Está sob avaliação um leilão exclusivo para esse tipo de geração já em 2026, afirma a executiva.

    Leia os principais trechos da entrevista:

    Agência iNFRA – Você assumiu a Abrage no ano passado com o papel de reposicionar a associação. Pode falar um pouco sobre o foco da associação neste momento? Quais os principais objetivos?
    Marisete Pereira – A Abrage tem 25 anos de atuação e eu fui convidada para ser a presidente justamente com o objetivo de reposicionar a associação, especialmente na valorização das hidrelétricas.

    Quando a gente olha a mudança da matriz energética brasileira, e que é uma matriz 85% renovável, vê muitos desafios. Eu acho que o modelo atual foi muito bem-sucedido. Só que, com a evolução das tecnologias, e com mais frequentes crises hídricas, viu-se a necessidade de buscar novas soluções. E um país como o nosso, continental, com essa abundância de fontes que a gente tem, por que não as utilizar?

    A capacidade instalada atual já é de 222 GW e, vejam, essas novas renováveis, elas já estão contribuindo aí para o suplemento energético em quase 30 pontos percentuais. E as hídricas, que eram quase 84%, em 2023 só estavam em torno de 50%.

    Mas o que isso trouxe? Um grande desafio para a operação. Porque com essas novas renováveis, a intermitência é um desafio para o operador do sistema. E os hábitos de consumo também mudaram, somado às altas temperaturas, essa questão climática também mudou muito e provocou o aumento do consumo de energia, além dos próprios hábitos da população. Mais ar-condicionado, carros elétricos, e o horário de ponta, que é o horário de maior consumo, foi alterado ao longo desses anos.

    Então, é esse desafio que hoje nós temos: de conciliar essa nova matriz com essa renovabilidade, essa intermitência, mas com responsabilidade com relação aos custos para quem paga essa conta, que é o consumidor final, e garantir os investimentos para expansão.

    Então, para isso, na sua avaliação, seria necessária uma revisão do setor elétrico?
    A gente precisa fazer essa nova revisão do modelo para garantir a sustentabilidade do setor como um todo. Por exemplo, chamar uma hidrelétrica quando você não tem sol e não tem vento.

    A chamada rampa, que é o momento de aumento repentino da geração das hidrelétricas, tem sido diária, e elas podem fornecer esse serviço pela flexibilidade, pela resposta rápida que podem dar. É um recurso que está disponível, e tem uma indústria nacional. Ou seja: valorizar esses recursos, gerando emprego e renda aqui no país.

    Veja, todas as novas tecnologias são bem-vindas, mas a gente precisa acima de tudo ter o cuidado de como você vai de fato colocar essa nova tecnologia dentro do sistema porque hoje, a tarifa de energia hoje, está ficando quase impagável pelo volume de subsídios que o consumidor carrega.

    Esses subsídios então precisam ser retirados no novo modelo?
    Muitos desses subsídios ainda estão sendo mantidos, mas para tecnologias já maduras.

    Em 2002, a eólica foi introduzida com subsídio e aqueles contratos devem chegar hoje na casa de quase R$ 700 o megawatt-hora (MW/h). Mas hoje estão contratando uma fonte eólica a R$ 120 MW/h, então não tem mais justificativa para manter os subsídios dessas fontes que já são fontes maduras, que são competitivas.

    Eu acho que o nosso papel aqui na Abrage sobretudo é trabalhar para que tenhamos um ajuste no setor de modo que a gente possa de fato ter a valorização dos recursos hidrelétricos que contribuem para a segurança e a modicidade tarifária.

    Você fala muito sobre precificação correta da água. Como é que você vê que isso teria que ser colocado? Teria que estar em lei?
    A gente tem já atuado com o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico], com o próprio ministério, para justamente fazer o melhor uso, o uso mais eficiente dessa água que muitas vezes tem que ser desperdiçada, por meio do vertimento, ou botar água fora, em função de ter vento e sol naquele momento.

    Então, o que a gente está trabalhando é numa possibilidade de uma solução estrutural por meio de uma portaria, seria um ato infralegal, para que possamos exportar essa energia para os países vizinhos, porque além de contribuir para a redução das emissões de gás do efeito estufa, também contribui com os países vizinhos em energia em preços mais módicos.

    A gente está trabalhando por uma solução estrutural para fazer exportação dessa energia em momentos de sobra de água.

    Uma outra questão que a gente vem discutindo muito é um modelo de despacho do operador, porque precisa ser modernizado, adequado para essa nova realidade.

    O próprio ONS já tem identificado que há essa necessidade em função do apagão ocorrido em 15 de agosto de 2023. Ficou evidente que você precisaria de fato melhorar as regras de operação.

    Precisa de mais geração na base?
    Exatamente. O que acontece: quem pode garantir energia firme são as hidrelétricas, as térmicas – tanto a gás, quanto óleo e carvão – e a própria nuclear. Mas a hídrica tem um diferencial, porque ela é de partida rápida.

    Diariamente, você tem o que a gente chama de “curva do pato”. A geração solar aumenta às 12 horas, mas quando chega às 15 horas a geração é quase mínima. A eólica da mesma maneira, o ciclo do vento vai caindo.

    E a hídrica, ela começa alta, depois desce porque tem solar e eólica, mas aí ela começa a subir. A geração máxima no dia 1º de maio, por exemplo, foi de 86 GW, as hídricas atenderam 70 GW. Ou seja, 81% da necessidade do atendimento do consumo foi suprida pelas hidrelétricas.

    A vantagem das hidrelétricas em relação às térmicas é essa partida rápida. Porque dependendo da tecnologia das térmicas, pode levar uma hora e meia, três horas. Então, você não tem essa resposta rápida. Essa flexibilidade das hidrelétricas é algo de que o país não pode abrir mão.

    Porque se não fosse a garantia das hidrelétricas dando essa estabilidade ao sistema, talvez hoje a gente não tivesse essa expressiva expansão dessas novas renováveis. Então a hidrelétrica terminou sendo a garantidora dessa expansão das novas renováveis.

    Quais outros atributos as hidrelétricas têm como destaque?
    Então, o meu trabalho aqui na Abrage é de fato mostrar para a sociedade o valor que as hidrelétricas têm para a geração de energia elétrica, para os usos múltiplos das águas, e até para o controle de cheias, que com essas crises climáticas têm ficado mais frequentes.

    Esse modelo que está ficando ultrapassado é calcado nas demandas das distribuidoras, que faziam os leilões A-5, A-6, e isso está se mostrando que é inviável, certo? Tem que acabar esse modelo com base na demanda da distribuidora? Qual pode ser a solução?
    A abertura do mercado que teve início em 2018, com aquelas portarias do Ministério de Minas e Energia, terminou contribuindo para essa redução da necessidade de contratação das distribuidoras, da demanda. Especialmente a GD [Geração Distribuída] solar.

    Está ocorrendo uma abertura de mercado de uma maneira desordenada, então o papel da distribuidora tem que ser revisto. Para mim, o papel da distribuidora, ele tem que ser remunerado pelo serviço que ela presta. Ou seja, separar o fio da energia.

    Com essa abertura de mercado não se justifica mais a distribuidora ter a obrigatoriedade de estar contratando o seu mercado. Obviamente, sempre terá um conjunto de consumidores que vai permanecer regulado, principalmente o consumidor da baixa tensão.

    A abertura do mercado é muito bem-vinda e necessária, mas ela vem ocorrendo de uma maneira desordenada com a geração distribuída.

    Sobre o Leilão de Reserva de Capacidade, como exatamente as hidrelétricas podem fornecer esse produto de potência?
    É louvável o que o Ministério de Minas de Energia está fazendo em relação ao Leilão de Reserva de Capacidade, colocando também as hidrelétricas para competirem.

    Tem hoje hidrelétricas de mais de 100 anos de existência, mas algumas delas já foram construídas com uma engenharia pronta, que a gente chama de poços vazios. E tem várias hidrelétricas, inclusive no centro de carga do Sudeste, que têm essa estrutura de poços vazios pronta. Motorizando isso, você põe mais recurso no sistema, mais potência no sistema.

    Esse leilão de reserva de capacidade vai permitir que esse conjunto de hidrelétricas possa colocar 7,5 GW (gigawatts) com a motorização desses poços, com baixo impacto ambiental e custos módicos, porque a parte de engenharia já está pronta, é só você motorizar.

    Eu acho que as hidrelétricas, nesse aspecto, vão atender perfeitamente essa necessidade do sistema para garantir a segurança e dar mais flexibilidade para o operador fazer o uso dos recursos.

    O potencial desses poços já construídos e que podem ser motorizados foi mapeado em 7,5 GW?
    Além desses 7,5 GW, tem hoje mais 11 GW que, com a modernização dessas hidrelétricas, você poderia adicionar ao sistema. Então veja, 7,5 GW mais 11 GW. E a indústria nacional já está pronta ali para entregar esses equipamentos e produzir, gerar emprego e renda, e, acima de tudo, desenvolver tecnologia aqui no país. Não importar painéis solares, aerogeradores, mas desenvolver o país. A gente não pode abrir mão desses recursos.

    Um questionamento que tem se apresentado sobre a participação das hidrelétricas no LRCAP [Leilão de Reserva de Capacidade] é como elas poderiam atender a demanda em eventuais momentos de seca. Como você responde a isso?
    Veja, para essa contratação o ONS está deixando muito claro que o recurso que ele vai contratar é para aquelas horas críticas do sistema, e as hidrelétricas vão sim produzir esses recursos, porque é a potência que elas podem entregar para o sistema.

    Pela modelagem desse leilão, o que o ONS está contratando é um recurso que atenda as horas críticas do sistema, que é a potência, e elas poderão sim, mesmo em períodos de baixo volume de recursos hídricos, terão essa condição de fazer essa entrega, até porque esse leilão tem penalidades muito elevadas em caso de não entrega desse recurso nas horas em que o operador chamar aquele concessionário, aquele agente, a despachar.

    Esse leilão vai mesmo acontecer neste ano? Ele vai ocorrer em agosto como estava previsto?
    Ele vai acontecer neste ano com absoluta certeza. O próprio secretário já indicou que talvez ele ocorra em setembro ou em outubro, até porque vocês observaram que teve mais 30 dias de consulta pública. Então, ele vai acontecer.

    Quais outras estratégias estão sendo pensadas para evitar o vertimento de água?
    Falando de vertimento, outra questão que nos preocupa sobremaneira aqui na Abrage é o melhor aproveitamento desse excesso de água nesses momentos de abundância.

    Quando a gente olha assim, mas por que não contratar bateria? Ótimo contratar bateria, mas só que você hoje tem uma bateria natural, que são as hidrelétricas.

    E bateria é viável economicamente para esse leilão?
    Acredito que para esse leilão haja dificuldade de fazer tanto um arranjo contratual como operativo para que elas possam entrar, eu vejo muita dificuldade. Acho muito difícil as baterias entrarem nesse leilão, mas eu acho que há uma tendência no mundo nesse caminho, as mudanças tecnológicas são muito rápidas. Mas é preciso introduzir a mudança tecnológica no momento certo, remunerando de forma justa para que você não se arrependa ali na frente.

    Você pode explicar o que são as reversíveis?
    É uma usina com dois reservatórios, tem um reservatório normal e um reservatório à montante (acima, no rio). No período em que a energia está mais barata, tem abundância de água, na usina normal você vai turbinar, jogar a água e vai embora.

    Na reversível, em vez de ficar turbinando água, a água que está chegando no reservatório de baixo será bombeada para o reservatório de cima, de acumulação. Aí você guarda. Quando chega no horário em que a energia está mais cara, além de usar a água que você tem no reservatório de baixo, você pode usar de cima.

    Ou seja, água não é turbinada para baixo e vertida, ela é bombeada para cima e é armazenada. Então é uma bateria natural, e o mundo, em 2021, já tinha 160 GW de usinas reversíveis.

    Essa tecnologia é bem antiga, só que ela não era valorizada porque não tinha o desafio da intermitência. Hoje, ela já está sendo revista. Aqui os estudos indicam um potencial fenomenal de usinas reversíveis. Tem estudos bem avançados nesse sentido.

    Aproveitando que você está falando sobre novas tecnologias, olhando para o futuro, a gente tá vendo aí o hidrogênio, carros elétricos, como é que você está vendo essas novas tecnologias no setor?
    Eu acho que a transição energética está dando um mote para tudo. E onde que a gente precisa atuar? Justamente na eletrificação da indústria, dos transportes, e eu acho as novas tecnologias, tipo o hidrogênio de baixo carbono, vão contribuir com essa questão da eletrificação da indústria, dos transportes.

    E a gente luta para ser um hidrogênio competitivo, por isso que a Abrage tem defendido: o hidrogênio de baixo carbono, onde todas as fontes renováveis possam produzir esse hidrogênio, e não só fontes novas. 

    Hoje obviamente você tem um custo muito elevado para a produção de um MW de hidrogênio. Hoje é quase que inviável, mas a gente sabe, da mesma maneira que a gente começou lá em 2012 colocando a eólica a R$ 700 MW/h e hoje está a R$ 120 MW/h, a mesma coisa vai acontecer com essas novas tecnologias, e, no caso, com o hidrogênio.

    A gente entende que o hidrogênio é uma tecnologia do futuro que vai contribuir muito com a transição energética, mas tem que ser um hidrogênio produzido com todas as fontes renováveis, novas e existentes, e dentre elas, obviamente, a hidrelétrica é a fonte que melhor se encaixa, porque para você produzir hidrogênio você precisa de energia 24 horas por dia, sete dias por semana.

    Por que a Abrage defende o hidrogênio de baixo carbono e não hidrogênio verde?
    Veja, a própria Europa já está abandonando o conceito do hidrogênio verde porque ele é muito restritivo. E, de novo, para produzir hidrogênio precisa de geração de 24 horas por dia de energia.

    O hidrogênio de baixo carbono é um caminho sem volta, mas é uma tecnologia que eu entendo que vai precisar de uns 10 anos aí no mínimo para ter competitividade.

    O Brasil vai precisar de subsídio para introduzir essa tecnologia?
    PL [Projeto de Lei] 2.308 de 2023 já prevê benefício tributário. Felizmente, não é nada na CDE [Conta de Desenvolvimento Energético]. Só tem tributário, mas, se ficar a definição do hidrogênio verde, produção restrita à eólica e solar, nós vamos exportar o hidrogênio com subsídio pago pelo consumidor brasileiro.

    Por isso que a gente tem defendido que o projeto que saiu da Câmara Deputados é o projeto que melhor introduz essa nova tecnologia no sistema.

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