Ivo Pugnaloni, engenheiro eletricista, ex-diretor da COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA e da ABRAPCH. Atualmente é presidente do MSDN, Movimento em Defesa da Soberania Nacional.
Quando a profecia dessa manchete acontecer, nossas tarifas de energia só deixarão de ser as vice-campeãs de preços mais caros do mundo se uma diretriz de privilegiar nosso potencial de energias renováveis, tanto as intermitentes quanto as permanentes e firmes, for claramente adotada.
Falta pouco para o país superar a fase da economia de “terra arrasada” que o governo anterior impôs.
Quando isso acontecer, já deveremos ter optado pelo uso compartilhado e racional dos recursos naturais, de forma inteligente e cooperativa. Não concorrencial.
Mas isso depende de haver crédito e investimento adequado na construção de novas hidrelétricas pois, gerar energia apenas com as fontes renováveis intermitentes, solar e eólica, que deixam de produzir de noite, ou quando há períodos com falta de sol, muita chuva e falta de vento, nos obrigará a depender cada vez mais das termoelétricas e seus combustíveis fósseis, importados e sempre com maior intensidade.
Isso sob pena de sofrermos novos “apagões”, como o que aconteceu em setembro passado quando, subitamente, uma calmaria de ventos no nordeste “derrubou” quase metade do sistema elétrico brasileiro até o extremo sul do Brasil por mais de 8 horas em algumas regiões.
Essa energia firme, sendo gerada na dependência de derivados de petróleo, obrigará o Brasil a continuar a queimar enormes quantidades de hidrocarbonetos, “sujando” nossa atmosfera e nossa matriz com a emissão de partículas e gases de efeito estufa.
E isso nos impedirá de cumprir o compromisso do Brasil e a promessa do presidente Lula na COP 28 em Belém do Pará.
Por que não acumular e usar água doce e não o petróleo, para gerar energia elétrica?
Onde estaria o problema em elaborar e cumprir bons projetos de engenharia hidrelétrica que possuam bons projetos ambientais em seu conteúdo?
Por que essa mania estranha de darmos sempre esse “jeitinho” de não aproveitarmos o formidável potencial hidrelétrico remanescente do Brasil?
Ele é o terceiro maior do mundo, com 10% do total, equivalente a 9 usinas de Itaipu.
Ainda tem a vantagem de, em vez de estar todo concentrado em um só lugar, ele está particionado, dividido e disperso em todo o território nacional, o que reduz os impactos negativos e potencializa seus múltiplos impactos positivos.
O melhor é que todos esses potenciais, sem exceção, se contarem com projetos de engenharia e sócio-ambientais adequados, poderão deixar de atingir ou mesmo causar o mínimo impacto negativo em qualquer terra indígena, quilombola ou de ribeirinhos e biomas fragilidades.
E ainda gerar receitas significativas para essas populações, já tão sacrificadas nesses mais de 500 anos de invasão e ocupação de suas terras. Que nunca foram indenizadas.
Por que será que a China e a Rússia, que tem 13% e 12% do potencial hidrelétrico mundial estão aproveitando essa riqueza com ajuda de sua engenharia ambiental e o Brasil vem sendo proibido de fazê-lo?
Por que manobras regulatórias e de política econômica internas e externas nem sempre honestas e isonômicas têm conseguido nos fazer deixar de aproveitar esse potencial formidável?
Hoje ele é calculado em novos 135 GW conforme o SIPOT no site da própria ELETROBRÁS.
E essa quantidade é obtida apenas somando os potenciais acima de 5 MW, cada um deles suficiente para alimentar uma cidade com 3900 residências.
Já os potenciais elétricos inferiores a 5 MW ainda nem foram contabilizados, pois tantos eles são e estão tão dispersos, que foi impossível ainda identificar a todos.
A maioria deles está muito próxima das linhas de distribuição e transmissão, o que ajuda muito a reduzir os custos com sua conexão ao sistema das distribuidoras, podendo ser construídos com pequenos reservatórios e gerar energia na mesma modalidade comercial que viabilizou a energia solar, que foi a chamada “Geração Distribuída”.
Esses pequenos reservatórios têm o enorme benefício de acumular água doce, e com isso atenuar ou mesmo evitar tanto as secas como as enchentes.
O melhor é que além de servir para gerar energia, esses corpos de água podem gerar proteínas de alto valor nutricional e significativa receita aos pequenos e médios produtores rurais, através da piscicultura e da fruticultura irrigada por gotejamento, apenas por exemplo, como em Israel e no sertão de Pernambuco.
A energia de fonte termelétrica fóssil custa ao consumidor de 800% a 1000% mais caro do que a hidrelétrica e onera em demasia os consumidores.
Ela apenas deveria servir de “back up” em situações de intercorrências técnicas imprevisíveis. Assim ela cumpriria a importante tarefa de dotar o Brasil de um sistema altamente estável e seguro.
E não de ser tão indispensável assim a ponto de chegar a gerar 35% da energia elétrica consumida, como ocorreu entre 2014 e 2019, fato que impactou fortemente na inflação, nos juros e no baixo crescimento do PIB. E portanto, tendo assim inegável impacto no impedimento criminoso e artificial do mandato da Presidenta Dilma, primeira mulher a chegar a essa posição em nosso país. E que ela foi conferida de forma legítima pela população.
Não podemos esquecer que para o rápido processo de desindustrialização do Brasil contribui o fato de que aqui nossa indústria só não paga energia mais cara do que os industriais alemães.
Mas a Alemanha está quase numa guerra com a Rússia
E o Brasil não.
Uso múltiplo dos recursos hídricos
Gerar energia elétrica totalmente limpa deveria ser, por força de lei, apenas um dos benefícios de construir-se os lagos artificiais das hidrelétricas.
Hoje essa obrigação já existe desde 1934 , mas foi deixada por Getúlio Vargas apenas por um decreto, de número 24738.
Assim ela precisou ser definida na lei 9433/97 que criou o sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos, mas que ainda carece de regulamentação que torna mandatória a obrigatoriedade dos empreendimentos hidrelétricos sempre obedecerem à criação de oportunidades para outros usos, mesmo de formas não concorrentes, mas complementares.
Por esta razão, 60% das outorgas de água no Brasil foram dadas para custosos e irracionais projetos de irrigação por pivô central, contra 9% para a indústria e 15% para o abastecimento de cidades, sobrando para as Hidrelétricas menos de 1%.
O presidente Lula será cobrado na COP 28 em Belém do Pará pelo que terá deixado de fazer o Brasil para reter a água doce antes que as secas arrasem até o próprio rio Amazonas.
E a energia elétrica à noite e de madrugada vem de termelétricas altamente poluentes.
E a solução está ao alcance: reter a água da chuva por mais tempo para usá-la de forma racional em reservatórios projetados com a moderna modelagem hidroenergética oferecida pela tecnologia e pela ciência.