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MOVIMENTO EM DEFESA DA SOBERANIA NACIONAL

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O que resta da Lava Jato após Tony Garcia?

    De CARLOS ÁGUEDO PAIVA*

    Nos últimos dias, insisti bastante com meu querido amigo Benedito Tadeu Cesar sobre a importância de termos, nas páginas da RED, alguma avaliação sobre a entrevista concedida por Tony Garcia na TV 247 na sexta-feira última (02/06/2023) aos jornalistas Joaquim de Carvalho e Leonardo Attuch. Afinal – argumentava eu – os articulistas e jornalistas da TV 247 vinham reclamando, com razão, da baixa repercussão que a mídia oficial – os grandes jornalões e, em especial, o grupo GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão) – havia dado às revelações bombásticas de Tony Garcia. Ao fim e ao cabo, Benedito César pediu que eu escrevesse algo sobre o tema.

    Porém, ao me deparar com esta nova responsabilidade, passei o dia olhando para a tela branca do “word” no meu computador sem saber o que colocar no “papel”. Por quê? Porque me dei conta de que qualquer um que quisesse, de fato, saber sobre o escândalo, tinha fontes de sobra para se informar na internet. A entrevista como um todo havia durado em torno de 4 horas. Mas houve inúmeras edições da mesma, em que os distintos highlights eram apresentados e comentados. Posteriormente, Breno Altman fez uma bela entrevista com Reinaldo de Azevedo sobre as declarações de Garcia e, do meu ponto de vista, ficou pouco a acrescentar à análise primorosa dos fatos oferecida pelo entrevistado. O que eu poderia dizer que trouxesse alguma atratividade a este texto?

    O ponto para o qual quero chamar a atenção aqui não se encontra, de forma alguma, na subestimação da importância dos fatos revelados por Tony Garcia. Muito antes pelo contrário. Garcia trouxe à luz elementos cruciais para o entendimento da “capacidade de influência” de Moro sobre e TRF-4. Ele nos informou – por exemplo – que alguns dos desembargadores da segunda instância haviam sido filmados em uma “festa da cueca” realizada em Curitiba em 2003. Segundo Tony, que esteve presente na tal festa, foi ele quem informou a Moro o local mais provável onde a gravação estaria sendo guardada pelo advogado Sergio Bertoldo, responsável pela realização da festa e do vídeo. Esta gravação, na verdade, teria sido realizada por um sócio de Bertoldo, o advogado Sérgio Costa com uma câmera localizada em seu prendedor de gravata. E a festa teria ocorrido na suíte presidencial do Hotel Bourbon, em Curitiba, na noite de 19/11/2003, após o jogo Brasil x Uruguai, no Pinheirão. Aparentemente, há uma relação entre o roubo da gravação realizada por ordens de Moro e a briga violenta dos dois sócios em fevereiro de 2005 (um ano e 3 meses após a referida festa), que foi parar nas páginas policiais dos jornais do Paraná.

    E isto é apenas uma pequena parte da confissão de Tony Garcia. Ele conta – dentre outras coisas – que:

    • foi obrigado pela Polícia Federal do Paraná a rever seu primeiro depoimento (e, portanto, a mentir) sobre ter vista a implantação de escutas ilegais nas celas da carceragem da PF para gravar conversas do doleiro Youssef com outros apenados;
    • operava como espião infiltrado de Sérgio Moro em diversas operações comandadas por este “juiz” juntamente com o Ministério Público e que teria gravado políticos e empresários por ordens de Moro;
    • que, por ser amigo pessoal de Eduardo Cunha e de outras lideranças do Congresso, atuou, a mando de Moro, como espião para se informar sobre os grupos econômicos que seriam financiadores das campanhas do PT, pois o verdadeiro interesse de Moro seria manchar a reputação do PT, e não combater a corrupção;
    • que participou, a mando de Moro, juntamente com Eduardo Cunha, da promoção do impeachment da Presidenta Dilma (a quem pede desculpas na entrevista), bem como da tentativa de salvar o mandato do segundo. Esta tarefa, contudo, teria sido inviabilizada pela traição do PSDB (que exigiu 5 milhões para que os deputados da sigla votassem alinhados com Cunha na Comissão de Ética);
    • que, mais uma vez, ordenado por Sérgio Moro, prestou falso testemunho contra Sergio Bertoldo, seu ex-advogado, assim como deu entrevistas com informações falsas e sem provas para revistas de circulação nacional – em especial à Veja – para forjar provas de envolvimento de José Dirceu no caso do Mensalão;
    • que havia denunciado todos estes em 2021 à juíza Gabriela Hardt – “a juíza recorta e cola” -, mas que ela teria ignorado sua delação e engavetado as denúncias, em claro conluio com o “juiz-promotor” Sérgio Moro.

    E há muito mais para relatar. Sem sombra de dúvida, a entrevista de Tony Garcia é tão cheia de escândalos e revelações que vale muito a pena ouvi-la na íntegra, a despeito da empreitada envolver 4 horas em frente à tela. Mas, se é assim, como explicar a dificuldade que se abateu sobre mim em tratar de um tema tão candente e tão recente?

    O ponto é que não há mais nada que possa surpreender a respeito das equipes e aliados de Sérgio Moro na Décima Terceira Vara da Justiça Federal de Curitiba e no TRF-4 e de seus conluios com a MPF curitibana com vistas a perseguir politicamente as lideranças nacionais do Partido dos Trabalhadores, enlamear seus nomes, coloca-las na prisão e trabalhar pela derrubada de seus governos. Mesmo antes da descoberta e divulgação dos áudios e mensagens trocadas entre membros da Força Tarefa da Lava-Jato e o “juiz-promotor” no escândalo da “Vaza-Jato” (coordenado pelo internacionalmente renomado jornalista Glenn Greenwald) era preciso ser cego para não ver o viés político de operações tais como o Mensalão e o Petrolão.

    Como dizia o apresentador Ratinho em seus programas de auditório ainda em 2018 – 6 meses antes da Vaza-Jato dar publicidade às conversas entre Deltan Dalagnol, Sergio Moro e demais membros da “República de Curitiba”: “O que se pode esperar de um país em que o político mais honesto está preso?” E, vale notar: Ratinho não tem qualquer identidade política com o PT ou com a esquerda em geral. Seu alinhamento político é o mesmo de seu filho, reeleito para governar o Paraná pelo PDS, partido do Centrão que se manteve “neutro” na disputa entre Lula e Bolsonaro nas eleições de 2022, mas que, na prática, como se viu pela pequena vantagem de Lula no segundo turno, canalizou a maior parte de seus votos para Bolsonaro. Vale dizer: não era preciso ter qualquer alinhamento à esquerda, antes mesmo da Vaza-Jato, para entender que o Judiciário no Brasil, e não apenas em Curitiba ou no TRF-4, havia se tornado um agente político voltado à perpetração de golpes contra a esquerda.

    Esta foi a perplexidade que se abateu sobre mim quando tentei começar este artigo. Eu próprio havia alegado, em defesa do texto, que era necessário divulgar as “novas informações”. E elas são, de fato, novas. Só que, simultaneamente, não são! Os fatos são novos. As informações relevantes já eram de domínio público.

    Não obstante, uma grande parte do Brasil ainda se nega a enxergar o óbvio (L)ululante. E, esta é uma parte do Brasil que não lê a RED e também não ouve o 247. Lê – quando e se o faz – apenas os jornalões. Justamente aqueles veículos que – sem qualquer surpresa – vêm se negando a divulgar o novo escândalo. E o fazem com a mesma intensidade (mas sentido contrário!) em que se esforçavam por ver chifre em cabeça de cavalo a cada novo factoide produzido pela República de Curitiba com apoio de seus agentes infiltrados – como Tony Garcia -, sempre prontos e ávidos por darem falsos testemunhos e fazerem delações sem provas.

    A questão que fica, agora, é a velha questão de Lênin: O que fazer? Mais do que nunca, urge passar a limpo a história recente do Brasil, desde o início do século XXI. Mais especificamente, desde o Mensalão até a tentativa de golpe de 8 de janeiro. E, no centro de todos estes eventos, está uma organização criminosa que se auto-denominou de “República de Curitiba”. Passar a limpo esta história envolve, do meu ponto de vista, a criação de uma CPMI da Lava-Jato. Mais: ainda do meu ponto de vista, é preciso que ela se apresente, originalmente, como focada na República de Curitiba (ou as resistências à mesma serão grandes demais para serem superadas!). Mas é fundamental que ela não fique restrita apenas à investigação das irregularidades e ilegalidades cometidas por Moro e seus asseclas. Ela tem que chegar no braço carioca da operação (comandado por Bretas); tem que chegar no TRF-4 e em seu julgamento relâmpago de Lula, bem como nas intromissões sobre o trabalho do juiz Appio; e tem, inclusive, que chegar no STF, que realizou um julgamento midiático do (pretenso) escândalo do Mensalão (onde Sergio Moro operou como assessor de Rosa Weber, defendendo a condenação sem provas de Dirceu), em sua participação no impeachment de Dilma, assim como na proibição do acesso de jornalistas a Lula durante sua prisão no ano eleitoral de 2018.

    O que precisamos, de fato, é colocar o Judiciário Brasileiro no banco dos réus. E, com ele, colocar a grande mídia no banco dos réus. Pois ela também é um órgão de Estado: trata-se de concessões públicas e/ou atividades que devem ser fiscalizadas pelo sistema de Justiça, para impedir a divulgação de fake News. Mas, de 2003 a 2022, a grande mídia se tornou um órgão uníssono e orquestrado de oposição aos governos do PT. Governos que, como gosta de lembrar Reinaldo de Azevedo, sequer podem ser pensados como rigorosamente de esquerda. Que são meras frente amplas de combate à ultra direita e que submetem seu programa e realizações à mediação de um Congresso cronicamente reacionário e cada vez menos orientado por princípios republicanos.

    Se ela vier a ser constituída, uma tal CPMI não vai mudar a (triste) cara do nosso país do nosso país da noite para o dia. Infelizmente, a transição para uma sociedade democrática e civilizada é longa e cheia de percalços, com idas e vindas. E, nossos “estamentos burocráticos” (como Raymundo Faoro se referia aos órgãos e lideranças do Estado à serviço do capital) são muito sólidos resistentes a quaisquer mudanças. Mas é preciso persistir na luta pela transformação. E temos uma oportunidade única para dar visibilidade aos acontecimentos recentes a partir de uma outra perspectiva e lógica. E usando o poder do Estado para revelar os segredos do próprio Estado. Importa lembrar, acima de tudo, que “água mole, em pedra dura, tanto bate, até que fura”; mas um jato de água, sob pressão, pode provocar rapidamente uma bela rachadura. A CPI da Lava-Jato pode ser o jato sob pressão de que estamos precisando para passar a limpo este país e abrir fissuras nas pedras e estruturas mais resistentes à transformação social. A CPMI do 8 de janeiro está realizando esta varredura e exposição da hegemonia conservadora e golpista nas Forças Armadas e demais Forças de Segurança. Uma CPMI da Lava-Jato poderia estar fazendo o mesmo, focando em uma outro “trio” que vem se mostrando igualmente perigoso à sustentação da democracia no país: Judiciário, Ministério Público e Grande Imprensa.


    *Doutor em economia e professor do mestrado em desenvolvimento da Faccat (Faculdades Integradas de Taquara).

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