Presidente do BC se exime de culpa pela manutenção dos juros altos e joga responsabilidade nas dívidas do governo; juros altos afetam indústria de automóveis, varejo e setor alimentício
Imagine mais R$ 780 bilhões disponíveis para realizar investimentos no Brasil? Pois bem, este é o valor que a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) estima que o país pagou em juros da dívida pública em 2022. Este valor gigantesco que poderia ser destinado para saúde, educação, segurança ou infraestrutura foi drenado para se pagar a dívida pública que só cresce com a manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano pelo Banco Central. Como já é quase metade do ano e os juros permanecem no mesmo patamar, mesmo que os juros baixem nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), caso não seja um corte substancial, o valor “drenado” este ano também será altíssimo.
No entanto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mantém a postura negacionista sobre as necessidades da nação e age ainda igual a um “ministro de Bolsonaro” – como ficou conhecido por participar de grupo de mensagens com nome similar – e incendeia o país com os brasileiros dentro à moda do ex-presidente ao praticar um juro real que está em torno de 7%, mas já chegou a estar em 8% – o maior juro real do mundo.
Mesmo com todo cenário favorável para a queda dos juros, com os compromissos firmados pelo governo, a apresentação de um novo marco fiscal e os apelos dos setores produtivos e da sociedade, o entendimento do presidente do BC e do Copom foi pela manutenção da Selic na reunião do início de maio.
Agora a intransigência de Campos Neto, mais uma vez, foi manifesta ao público na entrevista que deu ao magnata Abilio Diniz para o programa Caminhos da CNN. Na ocasião, o presidente do BC culpou a dívida do governo pela manutenção da taxa de juros em 13,75%, e não o Banco Central.
Confira a fala: “A gente tem que tomar cuidado para não ter uma inversão de valores. Se você, empresário, está tentando pegar um dinheiro e está caro, a culpa não é do BC, porque é malvado, a culpa é do governo, que deve muito. Porque o governo está competindo com você pelo dinheiro que tem disponível para aplicar em projetos. Então, assim, o grande culpado pelos juros estarem altos é que tem alguém competindo pelos mesmos recursos e pagando mais”, proferiu.
A fala de Neto soa como um verdadeiro escárnio, uma vez que a dívida do governo foi impulsionada pelos juros estratosféricos definidos, justamente, pelo banco que comanda.
Efeitos na indústria automotiva
O reflexo dos juros de 13,75% de Campos Neto foi sentido drasticamente nos últimos meses.
Em abril houve recorde de paralisações em fábricas automotivas. Ao total nove empresas paralisaram as atividades durante o mês. Ao considerar o ano todo, 13 fábricas tiveram alguma paralisação, ou deram férias-coletivas aos funcionários.
Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), as interrupções não existem no momento, mas devem voltar até o final do mês.
Os motivos – diferentes aos de 2022 em que as paralisações ocorriam por falta de componentes como semicondutores – ocorrem devido ao desaquecimento de demanda. Em abril a produção caiu 3,9% em relação a 2022, pois há grandes estoques disponíveis.
E o cenário de alta nos preços fez com que o carro popular triplicasse de valor em 10 anos. Para contornar este dado, o governo Lula prepara medidas para desonerar a fabricação dos carros populares para que voltem a ficar acessíveis. Estes veículos, totalmente básicos, tem saído das concessionárias por volta de R$ 70 mil – valor impeditivo para a maioria dos brasileiros e o que envelhece a frota.
Varejo e alimentação
A vida das varejistas também anda complicada. Com os juros altos o poder de compra da população cai e com isso o mercado varejista fica desaquecido. A fraca geração de renda com a baixa nas vendas faz com que as empresas não consigam se alavancar financeiramente. Em um cenário de permanência dos juros em um patamar alto por tempo prolongado o endividamento das empresas fica dobrado, pois muitas contraíram dívidas em período de juros baixos, como estava em 2021, em 2%.
Para completar, com a divulgação de resultados abaixo das expectativas pelas empresas, o valor dos seus papeis caem na Bolsa de Valores, o que acentua ainda mais um temor de crise quando há poucos meses a Americanas se tornou um exemplo negativo.
Exemplo de prejuízos no varejo são fartos. A Magazine Luiza teve prejuízo líquido de R$ 391 milhões no primeiro trimestre (1T), ou prejuízo ajustado de R$ 309 milhões (excluindo despesas recorrentes). Na data de hoje (16/5), as ações da empresa caíram, ao menos, 23%, após divulgação dos resultados.
Já a Via, dona de marcas como Casas Bahia, há duas semanas anunciou prejuízo de R$ 297 milhões no primeiro trimestre, sendo que em 2022 teve lucro de R$18 milhões no mesmo período.
A BRF, detentora de marcas como Sadia e Perdigão, também apresentou prejuízo líquido. A gigante do ramo alimentício teve uma queda de 35% no prejuízo líquido do 1T em comparação com 2022, no entanto o valor de prejuízo ainda é bilionário: R$ 1,02 bilhão.