O que o caso exemplar do Reino Unido ensina ao Brasil. Concessionárias privadas levam ao colapso os serviços de saneamento, enquanto acumulam dívidas bilionárias. Mas não falta dinheiro para distribuir dividendos polpudos aos acionistas
Neste último março, relatório de comitê da Câmara dos Lordes do Parlamento Britânico apontou que as empresas privadas de água e esgoto priorizam os retornos financeiros em detrimento do meio ambiente.
Na Inglaterra e Gales, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário foram totalmente privatizados (com a vendas dos ativos vinculados aos serviços) há 34 anos pelo governo neoliberal de Margareth Thatcher. As empresas privadas são também responsáveis pela drenagem urbana já que os sistemas de esgotamento são, em geral, do tipo unitário.
O relatório constata que a crescente poluição das águas doces e costeiras por esgoto extravasado decorre da não realização dos investimentos das empresas privadas necessários para fazer face a demandas crescentes motivadas pela mudança climática, pelo aumento da impermeabilização causada pela crescente urbanização e pelo crescimento populacional. A avaliação anual feita pela Agência Ambiental para 2021 constatou que o desempenho ambiental das empresas privadas de água e esgoto estava em seu nível mais baixo e o desempenho da maioria das empresas estava em declínio.
Neste mesmo relatório, a comissão da Câmara dos Lordes destaca o prognóstico da Agência Ambiental britânica de que, sem mudanças sérias, em 20 anos o Reino Unido ficará sem água. Segundo o regulador dos serviços, a Ofwat, na Inglaterra e no País de Gales, as perdas físicas chegam a 51 litros de água por pessoa por dia. Para enfrentar este problema o comitê apela ao Governo britânico para introduzir medição obrigatória de água para todas as famílias e empresas onde possível, recomenda que a Ofwat estabeleça metas para reduzir perdas e que garanta que as empresas tenham o financiamento para fazê-lo na próxima revisão de preços.
O gráfico publicado pelo jornal britânico The Guardian, mostrando como cresceu nos últimos anos o número anual de registros de extravasões de esgoto, ajuda a entender por que a luta contra a poluição das águas superficiais causada por desempenho inadequado das empresas tornou-se parte importante da agenda política da Inglaterra e Gales. A redução modesta desse número em 2022 é explicada, segundo a própria Agência Ambiental, pelas precipitações reduzidas no período.
Para apimentar um pouco mais o debate, esta semana veio à tona a informação de que até mesmo praias célebres da Inglaterra estão sendo poluídas por esgoto: praias com Bandeira Azul em Sussex e Devon sofreram 8.500 horas de despejo de esgoto no ano passado.
O que se discute agora é se a Agência Ambiental e a Ofwat terão condições efetivas de regular de forma mais rigorosa a atuação das empresas privadas. Diz o governo conservador que a Agência Ambiental terá poderes para aplicar sanções financeiras ilimitadas às empresas por infrações decorrentes de poluição das águas interiores e costeiras por extravasões de esgoto. Por seu turno, o Ofwat, que responde pela regulação econômica está mudando as licenças de operação das empresas para que dividendos não possam ser pagos aos acionistas, caso os balanços financeiros das empresas revelarem fragilidades ou se o desempenho ambiental for muito ruim. Tais medidas são apoiadas por um novo “plano para a água” do governo que, desde sua apresentação na semana passada, teve sua viabilidade questionada e gerou muita polêmica.
O descontrole da poluição das águas superficiais por esgotos está induzindo iniciativas inéditas. Há cerca de dois meses, na discussão do orçamento do recém-criado Banco da Infraestrutura da Inglaterra um deputado do Partido Liberal Democrata, de oposição, propôs emenda aceita pelo governo conservador, condicionando a contratação de financiamentos do Banco por empresa privada ao compromisso de cessar as extravasões de esgoto, apresentando plano com metas e cronograma.