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‘Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão’, diz Frei Betto

    Passados 100 dias do governo Lula (PT), algumas marcas da nova administração federal já se tornaram visíveis. Mudanças importantes em ministérios chave como Meio Ambiente, Direitos Humanos e Justiça, remodelaram completamente o que foram os últimos quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro (PL).

    Há, no entanto, heranças que não devem desaparecer tão cedo. Na área econômica, por exemplo, a relação com o Banco Central permanece estremecida desde o princípio. Já no Congresso, o próprio governo ainda não entendeu qual o tamanho de sua base e como poderá atuar para garantir votos importantes em projetos futuros. 

    Para o frade dominicano, escritor e jornalista Frei Betto, tanto na área econômica, como na relação com o Congresso, o governo se vê obrigado a tocar sua gestão com “duas tornozeleiras eletrônicas”. 

    “São duas tornozeleiras eletrônicas, uma em cada pé: o Congresso, que é majoritariamente conservador; e o Banco Central. A Lei Complementar 179/2021, que garante a autonomia do BC, mantém seu atual presidente, que é um bolsonarista assumido, até o fim de 2024. Apesar da inflação estar recuando, isso trava o crescimento econômico”, explica Betto.
     
    Frei Betto, que é o convidado desta semana no BdF Entrevista, aponta que um dos maiores desafios do terceiro mandato de Lula na presidência é angariar apoio popular e construir mobilizações de massa. São esses apoios que podem, por exemplo, retirar as “tornozeleiras eletrônicas” dos pés do governo federal.

    “Quanto mais um governo tem apoio popular, mais ele pode dar um chega para lá na elite. É preciso fortalecer as bases populares do governo, reativar os Comitês pró Lula que atuaram durante a campanha eleitoral e fortalecer o sistema do movimento sindical, dos movimentos populares”, aponta ele. 

    No entanto, outro desafio é delimitar as bases deste apoio. Segundo Frei Betto, é importante que os “movimentos populares não vistam a camisa partidária do governo”.

    “Há uma máxima que eu cunhei no período que atuei no governo, entre 2003 e 2004 e que continua válida: governo é como feijão, só funciona na panela de pressão. É muito importante que os movimentos mantenham a sua autonomia, a sua soberania e dialoguem em condições de alteridade com o governo.”

    Na conversa, Frei Betto ainda fala sobre a relação do governo com a oposição, sobre a fragmentação da sociedade e a contaminação da religião pela política, protagonizada pelo governo Bolsonaro.

    “A esquerda que não tem nenhum vínculo mais próximo com a experiência religiosa, ignorou como preconceito, como uma coisa alienada, secundária, quando a direita soube se valer da manipulação religiosa do povo na América Latina, em vários outros lugares do mundo, para poder legitimar a sua naturalização da desigualdade e da exploração do feminicídio, da misoginia, do racismo e tudo isso”, diz. 

    “O grande desafio é articular religião e política sem permitir a confessionalização da política e a partidarização da religião. E essa é a linha da sabedoria”, completa o escritor. 

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