Há certo constrangimento, pudor quando se fala em Revolução. A palavra sempre provoca comichões.
Deixa o lado de lá inquieto, com a mão no coldre, e desperta pruridos no lado de cá. As nossas classes dominantes, (a não ser quando deram o golpe de 64 e chamaram aquilo de “revolução”) sempre tomaram a proposta da Revolução Brasileira como um chamamento à violência, a tomada do poder pelas armas.
Assim, quando se fala em Revolução, para transmitir a noção da radicalidade, da extensão e alcance das transformações propostas, os conservadores ouriçam-se e esconjuram as mudanças, como subversão da ordem natural das coisas.
Na verdade, todas as tentativas, ao longo de nossa história, de civilizar o Brasil, torná-lo soberano, desenvolvido, de fazê-lo menos atrasado, menos cruel com seu povo, menos injusto com os mais pobres, mais generoso e atencioso com seus jovens, solidário com os mais velhos, fracassaram. As concessões eram vidro e se quebrou. Repetindo Celso Furtado: nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ter sido.
Uma das censuras recorrentes aos governos do PT é que eles não fizeram uma lei que regulasse os meios de comunicação ou uma reforma política que intensificasse os aspectos democráticos da legislação eleitoral.
Seria muito pouco; mais uma vez estaríamos circunvagando os problemas. Critiquei e a reafirmo os reparos aos governos do PT por causa de seu comportamento “sindical”, sempre à busca de ganhos imediatos, de curto prazo para o nosso povo. Você senta com o patrão, apresenta uma pauta de reivindicações extensa e negocia caso a caso. Mas nada que significasse mudança estrutural, que tocasse e abalasse os fundamentos do poder dominante. Eu cedo nisso e naquilo e você me concede um pouco aqui e mais acolá.
É evidente que não podemos negar as conquistas que esse comportamento sindical trouxe para o nosso povo. Tirar da miséria tanta gente assim, botar três refeições por dia na mesa dos pobres, dar ganhos reais para os assalariados, aposentados e pensionistas, manter a economia em condições de pleno emprego foi uma vitória fantástica. No entanto, efêmera.
Vejam: em 2009, quando o PIB brasileiro cresce 7,5 por cento, a “The Economist” proclama: o Brasil decolou! Na verdade, foi um voo de galinha, insuflado por uma conjuntura favorável às commodities. E como não avançamos uma vírgula nas reformas econômicas estruturais, como não adotamos nenhuma das políticas anticíclicas que a história recente comprovou eficazes, oscilações na economia chinesa e a continuidade da depressão mundial restabeleceram a verdade.
Não só não decolamos como afundamos um tanto mais.
E quem é que pagou (e continua pagando) o pato?
Como o governo e os partidos à esquerda que o sustentavam não se preocuparam com a educação política e a organização das dezenas de milhões de brasileiros beneficiados pelos ganhos, a perda de direitos, o desemprego, a diminuição do poder de compra e assim por diante não provocaram reações. E as massas foram curar suas dores na igreja neopentecostal mais próxima.
Eis aonde pretendia chegar: educação e organização. Não se mobiliza, não se vai às ruas, não se insurge contra essa ampla, implacável e velocíssima destruição da nossa soberania, dos direitos trabalhistas e sociais sem que se eleve a consciência política, a percepção das coisas, o nível cultural do nosso povo; e sem que o organize para a ação.
No entanto, os partidos de esquerda e à esquerda concentram todas as suas energias em projetos eleitorais. Com eleições de dois em dois anos, não sobra tempo e nem parece ser de interesse o trabalho de conscientização e organização. E na época eleitoral, quer na campanha de rua, quer nos programas de rádio e televisão busca-se ganhar o voto, sobretudo; a preocupação é empilhar argumentos que convençam, que conquistem o voto. Faz tempo que o período eleitoral deixou de ser um espaço excepcional para o debate e a educação política.
Por outro lado, pela estrutura e recursos que detém, os partidos políticos deveriam se pôr à frente desse esforço de formação política dos trabalhadores. Afinal, propõe-se aqui um objetivo bem maior que uma fugaz vitória eleitoral. O que se aspira é o poder.
Enfim, não se faz a Revolução Brasileira com um povo ignorante, mal informado ou deformado pelos meios de comunicação empresariais e monopolistas.
A Revolução Brasileira é um processo e o seu ritmo, a velocidade de seu desenvolvimento será ditado, entre outras coisas, pelo grau de consciência e de organização popular.
Na verdade, a Revolução Brasileira já começou e ela é constituída dessa copiosidade de atos de resistência que inflamam o país. Ela é feita pelas palavras e atos dos brasileiros que, diariamente, protestam, denunciam, desmascaram e ironizam os que governam e os que sustentam os governantes. Ela se expressa nos estudos, teses, artigos, propostas que, todos os dias, jornalistas, intelectuais, líderes políticos, sindicais e de movimentos sociais veiculam para leitura e debates, apontando saídas desse beco sinistro e angustiante em que se enredou o país. É preciso, agora, dar organicidade, unidade e direção para esse levante, estabelecendo uma clara tática que leve o povo brasileiro ao poder.
Quanto aos objetivos estratégicos, os fins últimos, acredito que não se verificam discordâncias substanciais. Precisamos agora definir e unificar a forma de agir para atingir tais objetivos. Em verdade, em verdade, diga-se: eis aqui um frege, uma quizumba ruidosa. Cabe bem o dito “cada cabeça uma sentença”. Mas é preciso uma unidade mínima, básica para que o movimento tenha cadência. Do contrário, será o de sempre, cada um com suas verdades, seus dogmas, idiossincrasias e mesmo preconceitos, e todos desarrumados, dispersos, presas disponíveis para o abate dos dominantes. O que não seria novidade, pois somos fecundos, altamente produtivos na arte de se enveredar por mil e um caminhos e atalhos com a ilusão de que qualquer rota possa levar ao ponto final.
Sem unidade tática, a Revolução Brasileira continuará sendo o que foi até aqui: uma utopia generosa, sublime e não mais que isso.
Cite-se Aristóteles: um comandante tem como tarefa tomar um morro; analisa a situação, conclui que não tem condições de fazê-lo e não avança. É um ato extremo de covardia.
Outro comandante, estuda o terreno, as condições de sua tropa e as do inimigo, verifica que é possível atacar, com perdas mínimas de meios e homens, toma o morro, mas avança além do planejado, com perdas brutais de contingente. É um ato extremo de temeridade.
O terceiro comandante examina a situação, constata que é possível tomar o morro, avança, toma o objetivo, com perdas mínimas de tropas e meios, mantém a posição, organiza-se e fortifica-se para a etapa seguinte. É o ato eficiente.
É essa eficiência que a Revolução Brasileira deve buscar. Com urgência.
Como disse, o ritmo de desmantelamento do país exige igual velocidade de reação; logo, não é tempo para delongas, debates exaustivos, repetitivos, estéreis. Não é tempo para hesitações.
Talvez fosse ainda o caso de, brevemente, debater o que seriam as prioridades de um Governo de Reconstrução Nacional.
Como ponto de partida, revogação de todas as medidas antinacionais e anti-povo tomadas pelos dois últimos governos, anulando-se contratos, concessões, tratados, decretos e leis.
Implantação de uma política macroeconômica alternativa ao neoliberalismo, articulada com medidas sociais que levem à rápida e acentuada redução dessa realidade nacional de violência, crueldade, opressão e insensibilidade.
Planejamento público centralizado, impositivo para o setor público e indicativo para o setor privado.
Utilização do sistema bancário público como instrumento de execução do planejamento impositivo e indicativo.
Formação de um sistema de empresas públicas estratégicas, com capacidade de execução do planejamento básico e capacidade de incitar e puxar as empresas privadas.
Política fiscal/monetária anticíclica, pela qual a dívida pública seja efetivamente um dispositivo do desenvolvimento.
Atuação no câmbio, para assegurar uma taxa ligeiramente favorável às exportações.
A articulação desses cinco itens com metas de aumento da renda per capita, redução da desigualdade, mediante políticas sociais específicas, e o estabelecimento de imposto de renda realmente progressivo.
Política externa independente e fortalecimento de organismos como Mercosul e BRICs.
São estes os pressupostos para a construção de um programa que tenha como objetivo estratégico a fundação do Brasil-Nação.
E agora, Brasil?
Agora é sentar, reunir-se: partidos, organizações profissionais, sociais e sindicais; políticos, economistas, religiosos, intelectuais, Academia, estudantes, e quem mais seja, e ousar organizar a Frente Nacional, Popular e Democrática.
Há um outro caminho?