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Três anos de pandemia: Governo recupera capacidade do SUS vencer epidemias 

    Ao chegar a 700 mil mortes pela covid-19 no Brasil, epidemiologista avalia que novo Ministério da Saúde recupera aprendizado sanitário para lidar com epidemias

    Em três anos de pandemia, ficou evidente o desmonte de uma estrutura de gestão sanitária no Brasil, nunca ocorrida antes durante um único governo. O governo de Jair Bolsonaro usou a pandemia para fazer guerra ideológica contra a ciência, no momento mais inapropriado, em que as vidas dos brasileiros estavam em jogo.

    Houve negacionismo contra a dimensão de epidemia letal de dimensão global, negacionismo contra todas as recomendações protocolares da Organização Mundial da Saúde, assinatura de decretos, portarias e leis para impedir que o sistema de saúde tratasse adequadamente a doença e que os governadores e prefeitos tomassem as rédeas do processo, já que o governo federal se negava. E, finalmente, disseminou desinformação, fake news e dificultou o processo de imunização da população pelas vacinas.

    Nos últimos quatro anos, no período Bolsonaro, nós tivemos uma amnésia do longo aprendizado que acumulamos no âmbito do Sistema Único de Saúde, o SUS, a partir de 1986. Agora, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, está recuperando esta consciência e o aprendizado”. É como o epidemiologista Jesem Orellana, da FioCruz-AM, resume ao Portal Vermelho sua visão sobre este começo de governo Lula. 

    Para ele, houve um interrupção de um avançado acúmulo de práticas de gestão pública e organização de sistema, para mergulharmos no caos e na descoordenação federal, com medidas de desmonte, desinvestimento, mas principalmente, de desconfiança sobre o SUS e a ciência em que ele é baseado.

    Resultados virão

    “Nós não estamos aprendendo nada de novo com vacinação, com estratégias de divulgacão de informação confiável. Não estamos criando a Anvisa e a Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS]. Agora, o que precisamos fazer é qualificar a composição da Anvisa e da Conitec, como já está ocorrendo com a equipe do Ministério da Saúde”, apontou.

    Ele acredita que não será possível ver resultados imediatos, mas ele aposta na possibilidade de, na virada do ano, com a cobertura vacinal aumentando, reduzir indicadores como desnutrição e mortalidade infantil. Ele considera espantoso que tenha voltado a ter aumento de mortes por desnutrição. “Um cenário do Brasil da década de 40 do século passado”, exclama.

    “Nesse sentido, este governo recupera a memória e começa a colocar essa máquina importante do estado brasileiro, que é o Ministério da Saúde, para funcionar de acordo com tudo aquilo que já aprendeu antes da pandemia e com os aprendizados que a ciência e a pandemia acabaram incorporando no âmbito do Sistema Único de Saúde”, avalia.

    O epidemiologista admite que, apesar de toda a sabotagem do governo, muitas coisas foram aperfeiçoadas durante a pandemia pelos profissionais experimentados do SUS. Ele salienta que os sistemas de informação em saúde foram aperfeiçoadas. As estratégicas de capilarização dos exames para RP-PCR nas diferentes regiões do Brasil também foram aprimoradas. 

    “As estratégias para as vacinas chegarem às terras indígenas, comunidades ribeirinhas, interior do Nordeste e Amazônia melhoraram”, citou ele, referindo-se à região com maiores dificuldades e que ele mais conhece e pesquisa. “Certamente, tudo isso vai ser potencializado com este Ministério pró-vida e pró-ciência”, diz ele, otimista.

    Orellana considera que as contrapartidas exigidas das famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, como obrigatoriedade de vacinação e escolarização das crianças, são questões tão importantes quanto um medicamento e uma vacina. 

    “Não dá pra falar em acabar com a fome e a covid, sem dar condições para a pessoa ter um prato de comida em casa, um filho sendo alimentado dignamente dentro da escola. Tendo um recurso de transferência de renda para milhões que estão desempregados ou vivendo sob condições desumanas”, ponderou.

    Este conjunto de políticas sociais, na opinião do especialista, vai alavancar a retomada das aspirações para os Objetivos do Milênio de Desenvolvimento Sustentável. São metas assumidas pelo Brasil em relação a outros países, que ele considera “perdidas no desastre da gestão Bolsonaro, nos últimos quatro anos”. São indicadores de mortalidade infantil, mortalidade materna, e questões ambientais abandonadas no último período e, imediatamente, retomadas pelo governo Lula.

    Acúmulo científico

    Orellana também comentou como serão os parâmetros de vigilância sanitária sobre a covid a partir de agora, que a pandemia deve ser declarada encerrada. Embora o Ministério da Saúde já tenha acúmulo suficiente para lidar com a conversão da covid-19 em endemia, há especificidades que exigem estado de alerta.

    A covid não deve ser encarada exatamente como uma gripe comum. Segundo Orellana, o melhor indicador para avaliar estas síndromes gripais é o da Síndrome Respiratório Aguda Grave (SRAG), que é um caso clínico mais severo, com quadro clínico mais claro de falta de ar, que até exige internação. 

    São vários vírus diferentes causando síndromes respiratórias, como o sincial respiratório, influenza, h1n1, metapneumovirus. No entanto, de acordo com o epidemiologista, o vírus predominante e majoritário continua sendo o Sars-Cov2, da covid. “Desde o início da pandemia, ele nunca deixou de ser o número um”.

    “É isto que mantém um quadro de incerteza entre os epidemiologistas, porque não estamos falando de vírus já conhecidos e controlados, mas de um vírus muito furtivo, que sofre mutações constantemente”, explica. 

    Medicamentos

    Apesar do acúmulo de conhecimento para tratamento em três anos de correria nos hospitais, Orellana considera que ainda há um gargalo em relação a medicamentos.

    “Felizmente. a força da circulação viral é menor e tem muita gente protegida pela vacinação, por isso não se percebe situação de colapso e caos nos hospitais”, diz ele. 

    No começo da epidemia, ele conta que havia uma vigilância epidemiológica tão ruim, que sequer se conseguia dar o diagnóstico de covid. “Muitos casos de pessoas que davam entrada no hospital com quadro gripal, com uma síndrome respiratória aguda grave, morriam sem um diagnóstico de covid”, lembra ele.

    Esse aprendizado vai sendo incorporado ao longo da epidemia, no sentido de que quanto mais cedo fosse feito o diagnóstico da doença, maiores as chances de acompanhar a evolução do quadro e intervir no momento adequado para eventualmente fazer a internação e salvar a vida. 

    “Isso a gente aprendeu, mas infelizmente, o que temos visto são muitos pacientes sendo internados numa situação mais complicada e mais difícil de administrar clinicamente com medicamentos”, lamenta, referindo-se ao gargalo farmacêutico.

    Os medicamentos aprovados, segundo Orellana, vieram de um campo da produção de medicamentos que não é dos melhores, que é o “reposicionamento de drogas”. Com isso, drogas e princípios ativos já conhecidos são testados e adaptados para a covid. “Funcionaram razoavelmente bem, mas nenhuma delas no mundo é desenhada especificamente para o Sars-Cov2, a covid. O que temos são drogas reposicionadas para o tratamento em determinados contextos clínicos”, resume.

    Uma das drogas é para os primeiros sintomas, na fase inicial; outras são antiinflamatórios e inibidores de enzimas para quadros mais avançados, tentando evitar que o doente vá para a UTI ou que morra. 

    “De uma forma geral, as drogas acabaram nos frustrando de certa forma, porque não resolvem a epidemia. O que está resolvendo e provavelmente vai enterrar o conceito de pandemia e epidemia é, sem dúvida alguma, a vacina”, sintetiza ele.

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