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MOVIMENTO EM DEFESA DA SOBERANIA NACIONAL

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FAÇA PARTE DA NOSSA LUTA EM SEU ESTADO. TORNE-SE MEMBRO E PARTICIPE.

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Requião: Os kits de montar

    Além da vida e da política de curto prazo, somos fascinados pelos kits de montar. Mesmo que as condições locais do tempo, a temperatura, as conformações do terreno e de material contradigam o modelo, insistimos na aplicação do diagrama. E quando dá errado e o kit desmorona ou resulta em uma anomalia, recorremos ao seu oposto. Quando o oito falha, vamos com tudo para o oitenta, sem graduações.

    O conceito “análise concreta de uma situação concreta” nada mais é que um conceito ou uma frase pernóstica sacada no meio dos intermináveis debates ou “análises de conjuntura” que povoam o cotidiano das vanguardas pátrias.

    E dos tantos kits que importamos e tentamos força-los à realidade brasileira, o putschismo parece ser o de nossa preferência, seja ele a quartelada ou a “urbanização” da Sierra Maestra.

    O que é a tentativa de insurreição de 1935 que o decalque, mesmo que mambembe, de 1917? Mas, como não havia condições mínimas para uma insurreição popular, como “a análise concreta da situação concreta” gritava, tentou-se um putsch.

    Para isso, certamente, concorreram as experiências dos participantes da “Coluna Prestes”. Ao longo de seus 25 mil quilômetros, a Coluna encontrou um Brasil miserável, abúlico, imobilizado pelo analfabetismo, pelas doenças, pelo coronelismo, pelo subdesenvolvimento, pelo latifúndio, por relações de produção atrasadíssimas. Entre o dificílimo e demorado trabalho de cientificação, formação e organização popular, buscou-se o atalho do golpe.

    Quer dizer, se não deu para ir por aqui, vamos por lá.

    E o que segue à aventura 35? O oposto. Busca-se agora a conciliação de classes, que levará à “União Nacional com Vargas” e à aproximação com os setores ditos liberais, a propósito da frente antifascista mundial, o que leva, na sequência o PCB à legalidade, à participação no processo eleitoral, à sua “normalização” institucional.

    Mas, quando o partido e seus parlamentares são cassados, em 1947, pondo fim à experimentação nos trópicos das práticas civilizadas da democracia europeia, há quem proponha a luta armada como única opção.

    Se não deu por aqui, vamos por lá.

    Depois de 64 com o esfacelamento da esquerda e do PCB, repete-se a dose. E aí, atabalhoadamente, sofregamente, irresponsavelmente, saímos à cata de kits exitosos para montar em nosso país.

    Temos o kit cubano, que traz para as cidades o conceito de núcleo irradiador e referencial da Sierra Maestra, e surge, assim, a “guerrilha urbana”. O exemplo heroico, sacrifical de tragédia grega inspiraria as massas e levaria o país à insurreição. Isso quando não imaginamos transformar o Vale do Ribeira ou a Serra de Caparaó em novos Vietnam. E o opúsculo frívolo, desajuizado, inconsistente de Debray é o “sendero luminoso” de nossa aventura.

    Temos o kit chinês, adotando na íntegra, inflexivelmente a ideia da “guerra popular revolucionária”, o cerco das cidades pelo campo, e espoca nos trópicos uma contrafação da Grande Marcha.  Em seus delírios dogmáticos quiseram ver no Brasil a mesma China semifeudal, semicolonial, a mesma sociedade, o mesmo caráter de classe. Et pour cause, a mesma tática revolucionária. E instalamos no Araguaia a nossa Yanan.

    Temos o kit soviético, agora limpo das ideias insurrecionais, adaptado à revisão promovida primeiro por Stalin e consagrada por Kruchev e sucessores. Decalcamos aqui, tropicalizamos os “dois todos” e “as três pacíficas” do camarada.    

    Nos anos 60, 70 há no mercado político das esquerdas uma variada coleção de kits para se montar uma revolução. Quase todos com um traço comum: o espírito do putsch, a abreviação do caminho pela picada da insurreição ou pelo varadouro da política (“estamos no governo, falta tomar o poder”).

    E como fazer autocrítica não é lá de nossa índole, viramos a página e mergulhamos nas delícias de um país democrático, nesse brasileiríssimo “Estado Democrático de Direito”. Elevar o nível de compreensão das massas, dar-lhes a ciência das coisas, mobilizá-las e organizá-las, poucos se habilitaram. Nossas cartas aos brasileiros preocupam-se mais em acalmar os dominantes que conclamar e organizar os dominados para o levantamento de um país verdadeira e radicalmente democrático, desenvolvido, soberano, bom e justo para o seu povo.

    Jogamos todas as nossas forças, energia e esperança na redemocratização. De repente, em um só movimento, abandonamos discursos e práticas da resistência à ditadura (não é o caso, aqui, e nem interessa julgá-los ou qualifica-los) pela conquista de “espaços legais” na nova ordem das coisas. Foi uma transição fulminante.
                      Há uma ocorrência em uma das aventuras de Asterix, o gaulês, que sempre me vem à retina quando reflito sobre a história recente de nosso país: é uma cena em que Cesar desespera-se, irrita-se com os seus antigos parceiros de lutas. Querendo ação para conquistar a aldeia rebelde, olha em volta e vê seus comandantes lassos, acomodados, lenientes, permissivos, moderados, todos cansados de guerra.

    Reverencio, prezo e considero o grande brasileiro que foi Luís Carlos Prestes, mas não consigo fugir da tentação de citar aqui uma passagem de “Bar Don Juan”, de Antônio Callado. O Cavaleiro da Esperança é o tema da discussão entre personagens do livro. Um deles fala: quando Prestes internou-se na Bolívia, depois da dissolução da Coluna, mandaram para ele as obras completas de Marx. Só que em francês. E ele não sabia francês. Teve que aprender francês para ler Marx. E aprendeu muito bem o francês…

    Nós, a esquerda em geral, também apreendemos apenas o francês, a fórmula, o exterior das coisas. O conteúdo, a essência continuam impenetráveis. Não conseguimos, até hoje, engendrar um projeto de poder, de conquista do poder e do exercício desse poder genuinamente nosso, próprio, a partir de uma análise concreta de nossa situação concreta, sem cópias, sem modelos exógenos.

    Frequentemente, ironizamos a nossa burguesia ou a pequena burguesia pelo “macaquismo”, pela imitação dos estrangeiros. Mutatis mutantis, não é o que esquerda também faz?

    Para começar, qualquer projeto de poder deve-se rejeitar a ilusão de que é possível construir em países como o nosso um Estado Democrático de Direito aos moldes europeus. As experiências democráticas burguesas nesses trópicos serão sempre efêmeras e trágicas. Acredito que este deva ser o primeiro consenso entre nós. A primeira tapeação a ser rechaçada.

    De uma vez por todas é preciso abandonar o devaneio de que seja possível um mínimo de convivência entre um projeto de poder que contemple a ampla maioria dos brasileiros e o projeto de poder da elite dominante. Falar em transição pacífica, coexistência pacífica, em
    Estado de todo o povo nesses terceiros, quartos, os quintos dos mundos não é apenas debilidade ideológica ou colaboracionismo, é também estultícia das grossas.

    As classes dominantes podem até mesmo tolerar por algum tempo pequenos avanços civilizatórios na sociedade brasileira, especialmente em situações em que haja certo grau de agitação, de inquietude entre os dominados. Mas, logo em seguida, restabelece-se a verdade histórica.

    Para concluir o capítulo dos kits não dá para deixar barato o entusiasmo de parte da esquerda, dos intelectuais com o eurocomunismo e a perestroika. Deus nosso, santos e anjos, espectadores privilegiados de nossas desgraças diárias! o que há de assemelhado entre as democracias consolidadas da Europa e essa infrequente, descontinuada democracia tropical?  Eurocomunismo, Perestroika? Glasnot? De PCB para PPS, de PPS ao Cidadania. Logo chegam à UDN.

    E agora? Agora, Brasil, montemos o nosso próprio projeto de poder.

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