Decisão foi ‘dissonante’ com com o pensamento e as ações anteriores de Lula”
EDUARDO COSTA
A sabedoria de Getúlio Vargas e seu ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, conquistaram para o Brasil posição de destaque na criação da ONU e de alguns órgãos multilaterais no pós-guerra. Oswaldo Aranha não só foi o presidente de uma das mais importantes decisões da Assembleia Mundial Extraordinária, como também presidiu o Conselho de Segurança da ONU.
Das distinções recebidas, uma honraria, que significa visibilidade permanente, foi sempre fazer o discurso inaugural das assembleias mundiais. Não é pouco.
Mais tarde, quando Oswaldo Aranha era Ministro da Fazenda e João Neves da Fontoura, outro revolucionário de 1930, o Ministro das Relações Exteriores, na recém-criada OMS (1948), um brasileiro, nessa esteira, seria eleito, em 1953, para ser o Diretor Geral dela. Quando tomou posse, os países socialistas tinham deixado o órgão, dada a insistência dos EEUU em aparelhar e macarthisar o órgão. A política de neutralidade política para obter eficiência na saúde do terceiro mundo de Candau, os trouxe de volta (de cerca de 40 membros, 20 anos após, nos seus quatro mandatos, 140 países a integravam).
É esta história longínqua para alguns, que nos autoriza dizer que o Brasil fez um fiasco na ONU. A notícia se espalhou silenciosa. Apesar de nos ter orgulhado por decidir não fornecer armas para a Ucrânia, o Brasil votar ao lado dos Estados Unidos na sua ladainha contra a Federação Russa em sessão da ONU, é dissonante.
E isto não é pouco. O Presidente da República, Lula da Silva, que retomava o poder depois do golpe de 2016, havia visitado o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden justificando em longa entrevista que a natureza da mesma era a reocupação do espaço mundial do Brasil, e afirmou que se propunha a ajudar a intermediar o conflito russo-norte-americano.
Parecia até um pouco pretencioso; sair do buraco político e econômico legado pelos aventureiros alçados pelo golpe de 2016, para uma posição tão proeminente em busca da paz mundial. Mas valia! Mostrávamos nossa cara para o mundo das relações internacionais, que, aliás, tem no Barão de Rio Branco seu patrono. E foi homenageado com o nome antigo de Roraima (além da capital do Acre), onde também tínhamos nos horrorizado, mas de certo aliviados pela presença do Presidente Lula junto aos Yanomamis depauperados pela contaminação química e fome.
Pensando nisto, uma pergunta inquietante me assaltou há três dias com o voto do Brasil na ONU que inviabiliza a pretensão de ajudar a intermediar o conflito. E deve complicar a tarefa da Dilma no Banco dos Brics! Uma abstenção seria o aceitável.
Decidi externar. É verdade mesmo, ou é um mal-entendido? O que houve? Se sim, quem traiu o Presidente? Precisamos saber, particularmente eu, amigo e admirador de um grande assessor dos Governos Lula e Dilma: o saudoso Marco Aurélio Garcia. Senti sua falta, pelo menos para me ajudar a entender.
Eduardo Costa é sanitarista, professor da Fundação Osvaldo Cruz e foi Secretário de Saúde do Rio de Janeiro no governo Leonel Brizola