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MOVIMENTO EM DEFESA DA SOBERANIA NACIONAL

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A contradança das moedas

    Um esquema para equilibrar países superavitários e deficitários

    Dois sabichões de Crematística, Paul Krugman e Olivier Blanchard, dispararam seus arcabuzes contra o projeto de um novo regime para regular as transações comerciais entre os países latino-americanos. O projeto foi apenas anunciado no encontro entre os presidentes do Brasil e da Argentina, Lula e Alberto Fernández. Apenas anunciado, mas alvejado pelo tiroteio dos dois reverenciados economistas. Krugman bateu firme: “Uma ideia terrível”.

    Um pouco de história. Na derradeira versão de sua proposta apresentada em 1943, antes dos debates em Bretton Woods, Keynes traçou o perfil do Bancor. Ele dizia que as turbulências monetárias dos anos 20 recomendavam a adoção de uma moeda internacional que não seja determinada de forma imprevisível ou arbitrária, como, por exemplo, pela oferta de ouro, nem esteja sujeita a grandes flutuações, devido às políticas dos países individuais; mas, sim, regulada pelas necessidades reais do comércio mundial, ou seja, suscetível de expansão ou contração, para compensar tendências deflacionárias ou inflacionárias na demanda global efetiva.

    “Precisamos de um sistema com um mecanismo interno de estabilização, em que se exerça pressão sobre qualquer país que tenha uma balança de pagamentos com o resto do mundo fora do equilíbrio, superavitária ou deficitária, de modo a se evitarem movimentos que conduzam inevitavelmente a um desequilíbrio igual e oposto para os vizinhos.”

    Quando a economia da Coreia desabou, em 1997, os “fundamentos” eram sólidos – Imagem: Choo Youn-Kong/AFP
    Keynes sugere obrigações simétricas para credores e devedores. Assim, o novo sistema deve definir regras que afetem os países credores, mantendo ao mesmo tempo uma disciplina suficiente nos países devedores, “para impedi-los de explorar a nova facilidade que lhes é concedida”.

    As propostas do Bancor e da Clearing Union são, na verdade, aperfeiçoamentos da ideia, aventada no Treatise on Money, de um banco supranacional. Esta instituição – um banco central dos bancos centrais – seria encarregada de executar uma gestão “consciente” das necessidades de liquidez do comércio internacional e dos problemas de ajustamento entre países credores e devedores: “O ponto principal é que não deve ser permitido ao credor permanecer passivo. Pois, se ele se comportar assim, uma tarefa impossível é lançada contra o devedor, que naturalmente está na posição mais débil” (id.).

    Com esse parágrafo Keynes quis ressaltar o caráter negativo dos ajustamentos de balanço de pagamentos, num sistema internacional em que problemas de liquidez ou de solvência dos países deficitários e de menor “poderio financeiro” têm de ser resolvidos mediante a busca da “confiança” dos mercados de capitais. Em setembro de 1941, Keynes reafirma que “é próprio de um padrão monetário de livre conversibilidade atirar o ônus do ajustamento sobre as posições devedoras em seu balanço de pagamentos – ou seja, sobre os países mais fracos e, acima de tudo, menores, se comparados com a escala do resto do mundo”.

    Entre 2003 e 2007, no auge da Grande Moderação – momento em que prevaleceram a baixa inflação, a liquidez abundante e a avidez pelo risco -, as moedas periféricas viveram a ilusão de frequentar os salões da conversibilidade. A crise financeira nascida nas mansões dos pródigos abastados barrou a entrada dos intrusos e mostrou que os saraus das moedas conversíveis não admitem penetras.

    Ao realçar a importância do poderio financeiro para determinar a maior ou menor liberdade de execução das políticas monetárias, Keynes (1971) estava apontando para a hierarquia entre as moedas nacionais. Pretendia sublinhar a capacidade inferior das economias devedoras e “dependentes” de atrair recursos “livres” para a aquisição de ativos e bens denominados na moeda nacional. Desta diferença de poder financeiro nascem importantes assimetrias nos processos de ajustamento de balanço de pagamentos entre países credores e devedores.

    As moedas dos países emergentes, temporariamente cobiçadas, padeceram as dores das desvalorizações agudas. O fortalecimento do dólar – a moeda particular com funções universais – trata com igual desdém os justos e os pecadores. Desde o won coreano, passando pelo real brasileiro até a rupia da Indonésia e o rublo da Rússia, as moedas mais débeis sucumbem ao vendaval de ordens de venda emitidas pelos possuidores de riqueza na busca dos aconchegos da liquidez proporcionados pela moeda-reserva. Não por acaso, o jargão dos mercados trata essas debandadas de “fuga para a qualidade”.

    As benevolências dos mercados terminam em desvalorizações abruptas e elevação dos juros

    Os investidores formam posições baixistas nos elos fracos dos mercados globalizados, independentemente dos sempre invocados “fundamentos fiscais” que supostamente sustentavam o garboso desempenho das frágeis moedas apreciadas. Isso é agravado pelos hedge funds que operam nos países que dispõem de mercados futuros de câmbio. Supostamente incumbidos de oferecer proteção aos “comprados” na moeda inconversível, esses fundos acentuam a liquidação das posições e aceleram a saída da grana.

    Ao invocar os “fundamentos fiscais” para explicar as turbulências cambiais nos países de moeda não conversível, os economistas do mainstream praticam o vício do reducionismo. Esse reducionismo tecnicista busca expulsar as relações de poder embutidas na soberania monetária americana. Acossados pela valorização do dólar depois do choque de juros disparado por Paul Volcker em 1979, no Acordo do Louvre, em 1987, os Estados Unidos impuseram ao Japão a valorização do yen, a endaka. Sob pressão de Tio Sam, o país entrou na farra da desregulamentação financeira. Saboreou inicialmente as delícias de uma bolha imobiliária e de outra no mercado de ações. A curtição durou pouco. Em 1989, os preços dos imóveis e das ações despencaram e deixaram os bancos japoneses encalacrados em créditos irrecuperáveis. O Bank of Japan cortou os juros a zero. Não adiantou. Os japoneses curtiram dez anos de estagnação. Diga-se que o yen japonês é aceito no rol das moedas (moderadamente) conversíveis.
    Às vésperas da crise asiática de 1997-1998, a Coreia do Sul dispunha de condições fiscais impecáveis: superávit nominal de 2,5% e dívida pública inferior a 15% do PIB. A missão do FMI, encarregada de analisar a situação da economia sul-coreana, teceu loas aos sólidos “fundamentos fiscais”.

    A mudança brusca de expectativas torna as políticas monetárias nacionais reféns da necessidade de evitar as fugas de capitais e de conter o avanço das desvalorizações. Essas medidas defensivas se restringem quase sempre à elevação das taxas de juro para proteger a moeda local, aliadas a intervenções pouco efetivas nos mercados de câmbio. No espocar da crise, Blanchard curvou-se às realidades das moedas não conversíveis e reconheceu: “Antes da crise de 2008, muitas economias emergentes adotaram o regime de metas de inflação. Isso era visto como o estado da arte no que respeita à política monetária. Esses países (no que se refere ao câmbio) se incluíam entre os ‘flutuantes'”. Argumentavam, continua Blanchard, “que os cuidados com a taxa de câmbio deveriam ser considerados apenas por seus efeitos na inflação. Não deram qualquer importância à taxa de câmbio como objetivo de política econômica. Mas os países (emergentes) têm razões para cuidar das taxas de câmbio. É importante dispor de instrumentos para afetar o nível e a volatilidade da taxa”.

    Os EUA impuseram ao Japão a valorização do yen, bolhas e estagnação – Imagem: Toru Yamanaka/AFP
    No admirável mundo novo, de ajustamentos rápidos e de alta volatilidade nos preços dos ativos, países dotados de moedas frágeis, com desprezível participação nas transações internacionais, encontram-se diante do risco de uma procissão de desgraças. As desditas começam com as bondades dos mercados: valorização indesejada da moeda local, esterilização dos efeitos monetários da expansão das reservas com taxas de juro elevadas (impactos na dívida pública), déficits insustentáveis em conta corrente. As benevolências dos mercados terminam nas desvalorizações abruptas, elevação das taxas de juro.

    As crises acentuam o caráter assimétrico dos ajustamentos dos balanços de pagamentos entre países de moeda forte e de moeda fraca. Ao contrário do que sustentam alguns analistas, os citados realinhamentos das taxas de câmbio não contribuem para reverter os desequilíbrios globais: o déficit americano não se reduz, ou se contrai muito lentamente, diante da valorização do dólar. Em compensação, a fuga para os ativos e as moedas de maior risco em direção aos títulos de qualidade permite a queda dos rendimentos, abrindo espaço para o endividamento público e, portanto, para políticas anticíclicas mais agressivas.

    Os EUA, devido à capacidade de atrair capitais para seus mercados, podem se dar ao luxo de reduzir a taxa de juros sem afetar o curso do dólar. A crise financeira reforça a supremacia do dólar e amplia o poder de seignorage da moeda americana. Em contrapartida, a pressão externa sobre as economias emergentes torna mais difícil a execução de políticas fiscais e monetárias anticíclicas. Em um ambiente recessivo, a elevação dos juros para defender a moeda deprime ainda mais a capitalização dos ativos financeiros, afeta o serviço da dívida pública e atinge a saúde financeira das empresas machucadas pelo faturamento minguante.

    Consequências terríveis! •

    Luiz Gonzaga Belluzzo é economista

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