Transmissão está limitada justamente no período úmido, quando Jirau e Santo Antônio mais geram
Por Robson Rodrigues e Fábio Couto
Um incêndio de causas desconhecidas em um dos circuitos do Linhão do Madeira está impedindo que as hidrelétricas deJirau e Santo Antônio enviem toda a energia que podem gerar para o Sudeste e com isso estão desperdiçando energia. Sóno mês de janeiro, foram mais de 784 mil MWh não aproveitados, o que em equivalências energéticas é igual ao consumomensal do Mato Grosso e corresponde a cerca de um quarto da geração das duas usinas.
O evento ocorreu no dia 2 de dezembro na sala de válvulas do polo 4 na subestação Coletora Porto Velho, do Complexo do Madeira, de propriedade da Interligação Elétrica do Madeira – IE Madeira (empresa constituída pela Chesf, Furnas e Isa Cteep), mas o caso foi tratado de maneira restrita pelas autoridades do setor elétrico e só agora se tornou público.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) relatou a ocorrência em carta para o Ministério de Minas e Energia (MME) e para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), além da Agência Nacional de Águas (ANA) e dos agentes, explicando a situação, mas não quis confirmar o ocorrido.
Em conversa com o
Valor
, o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, confirmou o incêndio e disse que as causas estão sendo apuradas, em caráter técnico e “de aprendizado”, sem viés punitivo, para que novos casos não ocorram.
No dia 12 de janeiro, a reportagem solicitou informações ao órgão sobre a abertura das comportas das usinas, mas o ONS informou em nota que “devido ao período conhecido como úmido, com precipitação significativa, é comum e necessária a manobra de abertura dos vertedouros de usinas hidrelétricas conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN)” sem mencionar o caso.
A energia das usinas é escoada para o Sudeste através de dois bipolos – sistemas de transmissão com duas linhas em cada um. Para evitar blecautes, são projetadas redes de transmissão que funcionam como uma espécie de “backup” e que podem ser usadas em situações nas quais há ameaça de interrupções. São as chamadas redundâncias, que podem ser um novo circuito, que acompanha uma linha existente, ou uma nova linha para atender a remanejamentos determinados pelo ONS
Com a redundância prejudicada, Jirau e Santo Antônio estão gerando energia abaixo do ideal. O ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana lembra que as hidrelétricas são a fio d’água, ou seja, não têm reservatório com capacidade mais ampla de armazenamento, por isso é necessário liberar água que poderia ser usada para geração de energia, o chamado vertimento turbinável, no jargão do setor.
“Sem mais explicações do ONS, as linhas de corrente contínua das usinas do rio Madeira estão indisponíveis desde dezembro, e assim ficarão por mais três meses. Isso é motivo de vergonha no setor, pois as usinas de Jirau e Santo Antônio praticamente só geram energia entre dezembro e abril, mas não terão como escoar, a não ser o pequeno percentual que pode fluir pela corrente alternada”, disse Santana, indignado.
O ONS informa que está atendendo normalmente a demanda da sociedade e, no atual contexto, a indisponibilidade não trouxe impactos relevantes, até o momento, à operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). O argumento, no entanto, é considerado insatisfatório por Santana, já que a situação hidrológica confortável não pode ser usada como justificativa parao desperdício.
“Ao olhar os dados do plano de operação para janeiro, percebe-se que, com o elevado volume de chuvas para o mês, os reservatórios do Sudeste chegarão, no dia 31 [de janeiro], a 69%, que é muito em relação a 2021, mas pouco para considerar a situação tão confortável que podemos jogar água fora. Se o período de chuvas 2023-2024 for desfavorável, o custo será bilionário”, diz Santana.
A linha de transmissão de corrente contínua em alta tensão (HVDC, na sigla em inglês) é uma das mais longas do mundo e atravessa o Brasil, conectando Porto Velho (RO) a Araraquara (SP), para levar a energia das usinas. Juntas elas têm capacidade para escoar 6.300 MW.
O diretor Administrativo Financeiro da IE Madeira, Thiago Lopes da Silva, disse que um dos equipamentos de transformação da Subestação Coletora Porto Velho, com capacidade de 1.575 MW, encontra-se indisponível devido a um sinistro em seus componentes, cujas causas estão sendo apuradas. Por conta disso, a empresa será penalizada com desconto na Receita Anual Permitida (RAP).
Ele reforça que não há relação com os recentes atos de vandalismo já que “o equipamento fica localizado em um ambiente fechado e monitorado dentro da Subestação Coletora Porto Velho onde não há acesso de terceiros”.
A previsão do ONS é que só em abril a linha volte a operar normalmente. Entretanto, a IE Madeira afirma que não é possível estabelecer uma previsão exata de término da manutenção, já que a conclusão dos trabalhos para a disponibilização do equipamento depende do fornecimento de componentes especiais, que estão sendo providenciados, em regime de urgência, pela fabricante GE.