Apesar da desaceleração do crescimento econômico global, das incertezas e da pressão inflacionária, os dados mostram um novo dinamismo do mercado de trabalho espanhol e uma resistência diferenciada da economia advinda nos empregos gerados, da renda do trabalho sustentando a demanda e o consumo das famílias.
Completou um ano que a Espanha celebrou o acordo de mudança na legislação trabalhista e na negociação coletiva. Depois de nove meses, encerrados em dezembro de 2021, o governo espanhol, as entidades sindicais (CCOO e UGT) e empresarias (CEOE e CEPYME), chegaram a um acordo ambicioso, que mudou a trajetória do sistema de regulação laboral e de relações de trabalho naquele país. Referendado pelo Conselho de Ministros, o acordo foi aprovado em 25 de janeiro de 2022 pelo Congresso de Deputados da Espanha (Decreto 32/2021[1]).
Essa nova legislação recolocou os sindicatos como protagonistas do jogo social e econômico para disputar a regulação das condições de trabalho e dos salários, valorizando as negociações coletivas setoriais e impedindo que acordos por empresas reduzam os patamares fixados setorialmente. Garantiu aos sindicatos o direito de representação de todos os trabalhadores com a ampliação do âmbito de negociação e de cobertura dos acordos para os serviços terceirizados na cadeia produtiva das empresas.
Outra diretriz estruturante da nova legislação é a concepção da qualidade do emprego, do direito e da dignidade da pessoa que vive do trabalho. O combate à cultura da temporalidade, até então predominante nas formas de contratação e com graves impactos sobre as taxas de rotatividade, abriu caminho para o sistema produtivo gerar empregos estáveis e, portanto, abandonar a flexibilidade que precariza os postos de trabalho e gera vulnerabilidade na condição de vida dos trabalhadores.
Para isso, a diretriz base da reforma determinou que o contrato de trabalho de prazo indeterminado é a forma prevalente de inserção laboral. De outro lado, colocou limites ao contrato de prazo determinado, em especial ao de curtíssima duração, eliminando a possibilidade dos contratos de empreitada ou de serviço, a forma mais perversa do contrato de trabalho. Para os setores com sazonalidade cíclica recorrente, regulou-se o contrato fixo descontínuo. Outro aspecto muito importante foi a regulação dos empregos para os jovens, com medidas que passaram a normatizar de maneira mais equânime os direitos trabalhistas vinculados ao primeiro emprego e os contratos de experiência.
Muitos argumentaram que essas medidas que alteraram mais de 50 reformas laborais, feitas durante 40 anos, realizadas no sentido da flexibilização, vulnerabilidade, precarização e redução do custo do trabalho, ampliariam os graves problemas do mundo do trabalho na Espanha. Pois bem, durante o último ano as novas regras estiveram em vigor e o que se observa?
Os dados publicados recentemente pelos Ministério do Trabalho[2] e Ministério do Previdência Social revelam que os contratos de prazo indeterminado com jornada completa aumentaram em cerca de 5 milhões em relação ao ano anterior (2021). De outro lado reduziu-se em mais de 9 milhões o volume de contratos temporários.
Observa-se a redução do desemprego continuamente ao longo do último ano, representando uma queda 8,6% nesse período. Apesar da desaceleração do crescimento econômico global, das incertezas e da pressão inflacionária, os dados mostram um novo dinamismo do mercado de trabalho espanhol e uma resistência diferenciada da economia advinda nos empregos gerados, da renda do trabalho sustentando a demanda e o consumo das famílias.
Observa-se também impactos positivos sobre as contas públicas como, por exemplo, o aumento continuado da contribuição para a previdência social. São os melhores resultados dos últimos 15 anos.
Entre os jovens há melhora da qualidade da contratação e chega-se aos menores níveis de desemprego juvenil dos últimos 26 anos.
Nesse contexto de crise, o mercado de trabalho espanhol mostrou-se mais resiliente, revelando que as regras que induziram uma dinâmica virtuosa de contratação, que combate a precariedade, que reduz os contratos de curtíssima duração, que preserva os empregos, revelou-se um escudo protetivo muito importante para toda a economia.
Observa-se também uma mudança na qualidade dos contratos temporários pois, a sua duração aumentou em média 52 dias em relação ao ano anterior. De outro lado, os contratos com menos de 30 dias tiveram uma redução de 3,3 milhões.
Os impactos positivos foram observados em todos os setores econômicos.
Esses resultados são sinalizações importantes para o nosso país que, desde 2017, insistiu em copiar as dezenas de reformas liberais espanholas, também aqui legalizando a precarização.
Agora a hora é de mudar e voltarmos a mobilizar um crescimento econômico virtuoso, industrializante, com geração de empregos de qualidade, crescimento dos salários e proteções sociais, trabalhistas, sindicais e previdenciárias. Para isso, teremos os desafios de modernizar a legislação trabalhista, fortalecendo e valorizando a negociação coletiva, realizada por sindicatos de ampla base de representação e de representatividade, com autonomia organizativa e capacidade para dar tratamento aos conflitos laborais.