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‘Âncora’ fiscal é dogma neoliberal criado para impedir o ‘navio’ brasileiro de zarpar

     Por Hora do Povo 

    Na década de 80 o Brasil zarpava. Dados do FMI mostram que nos últimos 42 anos o PIB brasileiro cresceu 2% ao ano. Ou seja, como a população cresce neste mesmo índice, o país ficou parado. O mundo, em média, cresceu 3,3% a cada ano

    O jornais desta terça-feira (3) amanheceram em coro quase uníssono fazendo um intenso lobby por uma “âncora fiscal” que tenha como função precípua a garantia de que boa parte dos recursos do Orçamento da União sejam destinados aos bancos e rentistas.

    Se vai faltar dinheiro para a Saúde, a Educação, a Ciência e Tecnologia, para os salários e para os investimentos, isso não interessa a eles. Na “opinião” do chamado “mercado” – leia-se, meia dúzia de monopólios – esta é uma “opção” que tem que ser feita pela sociedade. Afinal, dizem eles, não há recursos para todos. Ele dizem que só assim poderá haver estabilidade. Na verdade, é exatamente ao contrário. Só há estabilidade com crescimento econômico.

    ÂNCORA

    Até o nome, “âncora”, já sinaliza em que direção aponta a cruzada dos lobistas de plantão junto ao novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele terá que apresentar, por decisão da PEC da Transição, uma nova proposta de política fiscal até agosto de 2023, em substituição ao desastroso e finado teto de gastos.

    A âncora é o instrumento que foi criado para segurar o navio, para não deixar que ele zarpe. Ela foi inventada pelo Lord Karel Dovanek, no século VII, para frear seu barco a vela. E foi exatamente isso ela fez no Brasil desde que esse dogma neoliberal estúpido passou a ser adotado no país. A “âncora” serviu para interromper o desenvolvimento industrial do Brasil, para escancarar o mercado interno aos importados e para ampliar a especulação financeira.

    Na década de 80 o Brasil literalmente zarpava. A indústria do país era maior do que a da China. Tudo isso parou quando a âncora fiscal foi jogada ao mar da economia nacional.

    O artigo do professor Roberto D´Araújo, presidente do Instituto Ilumina, publicado esta semana pelo HP, mostra bem o estrago feito pela “âncora fiscal”. “Dados do FMI mostram que nos últimos 42 anos o PIB brasileiro cresceu 233%, o que corresponde aproximadamente a 2% ao ano. Ou seja, como a população cresce neste mesmo índice, o país ficou parado. O mundo, em média, cresceu 392% ou 3,3% a cada ano”, diz o autor.

    BRASIL ESTAGNADO

    Roberto D´Araújo ilustra com um gráfico o tamanho do desastre provocado pela chegada ao Brasil da ditadura fiscalista, criada e imposta aos países da periferia pelo fatídico Consenso de Washington. É possível perceber que a linha azul (Brasil), depois de 1987, vai se afastando mais rapidamente da linha laranja (Mundo) sem sinal de recuperação.

    Reprodução de Roberto D’ Araújo

    “O problema”, diz o autor, “é que esse encadeamento deixou consequências que agravaram a situação econômica nos anos seguintes, sendo que a desindustrialização crescente coloca o Brasil numa posição de produtor de artigos primários e importador de produtos acabados com grande efeito no mercado de empregos”.

    Reprodução de Roberto D’ Araújo

    Foram vários os instrumentos utilizados com o fim de parar a economia brasileira. Um deles foi o chamado “tripé macroeconômico”, imposto em 1999, e que, com o câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, engessou a economia brasileira. Suas metas reais consistiam em subir juros, vender títulos e cortar gastos e investimentos para garantir a remuneração desses títulos. O câmbio flutuante serviu para atrair compradores para as nossas estatais, vendidas na bacia das almas.

    CIRANDA FINANCEIRA

    Em seguida, no ano de 2000, implantou-se a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal” que se utilizou de um nome pomposo mas tinha, na realidade, como objetivo central restringir ainda mais os investimentos públicos e garantir mais recursos públicos para alimentar a ciranda financeira.

    Desde então, excetuados alguns raros momentos em que o país, através, principalmente, de suas estatais, conseguiu levar adiante alguns projetos de investimento, os recursos destinados ao desenvolvimento do país vêm sendo reduzidos cada vez mais e chegam hoje aos níveis mais baixos da história. A taxa de investimento do Brasil em 2022 foi de 18,4% do PIB, nível muito abaixo do pico de 26,9% em 1989.

    Além de destruir a indústria brasileira e empobrecer o país, a narrativa fiscalista, vendida como uma política supostamente responsável, foi a causadora da maior transferência de renda da história do setor produtivo para o rentismo parasitário.

    O teto de gastos, de 2016, significou apenas uma radicalização desta política restritiva. O governo Temer, com sua “ponte para abismo”, impôs um limite absurdo para os gastos sociais e os investimentos públicos e deixou completamente livre os gastos do governo com os juros e a rolagem da dívida pública. O resultado e os números falaram por si mesmos. O país está gastando por ano mais de meio trilhão de reais só para pagamento de juros da dívida.

    Dos R$ 5,3 trilhões previstos de receita no Orçamento proposto para o ano de 2023, os gastos com o refinanciamento da dívida consumirão R$ 3,33 trilhões, ou seja, 66% dos recursos orçamentários. Só de juros são previstos gastos de R$ 700 bilhões para 2022 e, com a Selic mantida nas alturas, podem chegar a R$ 800 bilhões em 2023.

    Só nos últimos 12 meses até setembro, a transferência de recursos da União, Estados e municípios ao setor financeiro, por meio dos juros da dívida pública, atingiu a soma de R$ 591,996 bilhões. De acordo com dados do BC, essa cifra bilionária representa 6,29% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. No mesmo intervalo de meses de 2021, haviam sido transferidos R$ 351,8 bilhões (4,17% do PIB).

    JUROS NAS ALTURAS

    Neste mesmo período, o cenário foi de de terra arrasada. Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, entre tantas áreas de atendimento à população, foram deixadas à mingua, com seguidos cortes nos recursos previstos no Orçamento deste ano. Enquanto o setor financeiro encheu seus bolsos em consequência da decisão do Banco Central (BC) de elevar a taxa básica de juros da economia (Selic) de 2% ao ano em março de 2021 para os atuais 13,75% ao ano, os serviços públicos foram tendo suas verbas cortadas e suas atividades estão sendo inviabilizadas.

    O certo é que, para tirar definitivamente o país da camisa de força que vem destruindo a indústria brasileira, esterilizando a renda nacional e empobrecendo os brasileiros, o novo governo precisará romper com essas amarras fiscalistas e com as “âncoras” que, desde o final dos anos 90 do século passado, vêm restringindo os investimentos públicos.

    A retomada dos investimentos e a elevação do poder de compra dos salários são dois pilares fundamentais para que o país retome o seu rumo desenvolvimentista. Os investimentos do Estado são decisivos para atrair os investimentos privados e garantir o desenvolvimento nacional e o bem estar da população, teses defendidas enfaticamente por Lula durante sua campanha eleitoral.

    Qualquer novo arcabouço fiscal que venha a ser elaborado no país deverá levar em consideração a possibilidade da retomada dos investimentos públicos e o aumento real dos salários. A não observância destes quesitos no novo arcabouço fiscal em elaboração colocará em risco a tão desejada retomada do crescimento econômico e a melhoria da vida dos brasileiros, duas ideias defendidas energicamente por Lula na campanha que o elegeu para um novo mandato.

    SÉRGIO CRUZ

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