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PEC da Transição corrige erro que Teto de Gasto criou, diz Roncaglia

    Economista e professor da Unifesp diz que preconceito do mercado pode atrapalhar discussão de uma nova âncora fiscal

    A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2022, a chamada PEC da Transição, é uma solução parcial para problemas criados pela aprovação da PEC 241/2016, conhecida como a Lei do Teto de Gastos.

    Isso é o que André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disse ao Brasil de Fato em entrevista sobre o projeto, que já foi passou pelo Senado e agora tramita pela Câmara.

    ::Haddad anuncia Galípolo e Appy na equipe econômica::

    Roncaglia afirmou que o Teto de Gastos “esmagou” o investimento público ao estabelecer “regras draconianas” para congelar o Orçamento da União. Segundo ele, a PEC da Transição restabelece a capacidade estatal de atuar em benefício da população. Para além disso, abre uma discussão sobre uma nova âncora fiscal para o país, reconhecendo que o simples bloqueio de gastos públicos não é factível.

    O economista é favorável à contenção do gasto estatal e ao controle da dívida pública. Prega, entretanto, uma certa flexibilidade nisso, apesar de saber que o mercado financeiro tende a reclamar e pressionar contra essa flexibilização, principalmente sendo ela proposta por um governo do PT (Partido dos Trabalhadores).

    “Eles gostariam que fosse alguém da praça deles que estivesse no Ministério da Economia”, afirmou. “Só que eles não ganharam a eleição.”

    Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

    Brasil de Fato: Por que a PEC da Transição, que autoriza mais um furo no Teto de Gastos, é necessária?

    André Roncaglia: A PEC busca corrigir erros que o Teto de Gasto produziu. O teto foi uma tentativa de reduzir o tamanho do Estado congelando gastos, só os reajustando com base na inflação. Assim, só se pode aumentar gastos se você corta outros. Ao longo dos anos, despesas importantes na área da saúde, da educação, infraestrutura, ciência e cultura foram completamente esmagadas. Hoje, no fim do governo Bolsonaro, temos um total vazio em termos de disponibilidade de recursos nessas áreas. A PEC visa corrigir isso.

    ::Auxílio Brasil, salário mínimo, Farmácia Popular: o que entra na PEC?::

    Como?

    Primeiro, ela pega um gasto substancial, que é o do Bolsa Família, e o tira inteiramente debaixo do Teto de Gastos. São R$ 145 bilhões. Ao fazer isso, também concede um espaço de R$ 105 bilhões no Orçamento. Isso possibilita ao novo governo restaurar o Farmácia Popular, investir em creche, na retomada de obras de infraestrutura que estão paradas, permite reajustar o salário do funcionalismo, que está há cinco anos sem reajuste. Dá capacidade ao Estado de se reorganizar.

    O aumento de gastos terá impactos na inflação, nos juros, na dívida?

    Esse argumento está pressupondo que qualquer aumento de gasto vai nos levar ao penhasco inflacionário. É ideia uma de que a gente está andando no gelo fino e, a qualquer coisinha que eu fizer a mais, isso ele estourar. A economia vai degringolar. Vamos aos dados: o governo Bolsonaro vai fechar o ano com um gasto de 19% do PIB (Produto Interno Bruto). Esse é o nível de 2019 e será o de 2022. O Orçamento de 2023 enviado pelo atual governo ao Congresso prevê gasto de 17,6% do PIB. Se adicionar os R$ 145 bilhões previstos na PEC, ficaremos em 19% –ou seja, não vai mudar.

    A PEC também prevê que, se houver um excesso de arrecadação, abre-se um espaço extra de R$ 23 bilhões para investimentos. Quando a gente soma tudo isso, se aumentar, vai aumentar 0,5% do PIB, chegando a 19,5%. Não é nada fora do controle.

    ::PEC prevê desvinculação do Bolsa Família do teto de gastos::

    Por que, então, economistas ligados ao mercado financeiro reclamam?

    Primeiro, porque Narciso acha feio o que não é espelho. Eles gostariam que fosse alguém da praça deles que estivesse no Ministério da Economia. Só que eles não ganharam a eleição. Por isso, não tem um acento na mesa pra decidir. Segundo, porque eles gostariam o governo do PT tivesse um componente de austeridade incrivelmente inflamado e saliente. Isso não vai ocorrer. Lula não ganhou as eleições prometendo austeridade. Prometeu responsabilidade. A Faria Lima confunde responsabilidade com o Teto.

    Tem mais: esse medo é motivado, parece querer gerar volatilidade nos mercados porque isso enriquece uns às custas de outros. Não há base em  fundamentos da economia. Tivemos R$ 800 bilhões em dribles no teto durante a gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes. Mas eles tiveram uma complacência beneditina com Guedes.

    Por que essa complacência?

    Porque ele é da Faria Lima. Então, tudo bem. Eles ainda celebram Paulo Guedes como o maior ministro da História.

    ::Desmembramento de Ministério da Economia sinaliza foco em reindustrialização e orçamento::

    Quais os problemas da Lei do Teto de Gastos?

    O nosso Teto de Gatos está na Constituição. Nenhum país constitucionalizou regras fiscais. Primeiro, porque regra fiscal precisa ter flexibilidade para enfrentar diferentes cenários. Numa recessão, é preciso gastar mais. Mas mudar isso quando é necessário é sempre muito custoso em termos parlamentares no Brasil. Diminui muito o capital político do governo. Nós temos um teto na Constituição e com uma regra draconiana de congelar gastos em termos reais. A economia cresce e o gasto fica parado. O resultado é que várias áreas do governo perderam espaço no Orçamento. A gente precisa de uma regra mais flexível e que avalie a qualidade do gasto.

    Quais as melhores alternativas para o controle do gasto público? Quais as mais viáveis para o Brasil?

    Temos que pensar num alinhamento com as práticas internacionais. Acho que estamos convergindo para algo que é uma meta de superávit primário estrutural, o que já é adotado na Europa. Superávit estrutural é medir um superávit [diferença entre o que o governo gasta e arrecada] sem os efeitos dos ciclos econômicos. Porque, quando a economia está crescendo, você pode arrecadar muito e aí você gera um superávit primário muito grande. Só que isso não pode ser uma autorização para que que o governo gaste demais. Quando cai a arrecadação, aparece um déficit. Mas isso não tem a ver com o gasto do governo. Fora isso, devemos ter uma meta de dívida para o longo prazo baseada também na meta de superávit. Acho o Brasil caminha para uma combinação disso.

    :: Bolsonaro cede controle do Orçamento ao Congresso ::

    Qual a melhor alternativa na sua opinião?

    Uma regra sobre superávit primário estrutural associada à criação um comitê de revisão de gastos para combater a ineficiência do gasto público. Seria algo para verificar se o que foi escolhido pelo governo está gerando os efeitos que justificam a manutenção do gasto. Análise de custo benefício, de multiplicador da renda ou do emprego. Já existem experiências internacionais sobre isso.

    Há gastos públicos no Brasil que são verbas que vão para a mão de deputados via orçamento secreto. Que aparecem no sistema de um município, mas não geram nenhum serviço. Esse dinheiro poderia fazer cisternas em regiões assombradas pela seca, melhorar o atendimento de serviços de saúde. Onde o dinheiro é aplicado é muito importante.

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    Por que ter uma regra de controle de gastos, uma âncora fiscal?

    É preciso ter algum tipo alavanca que os gastos, que dê alguma referência para saber se os gastos públicos estão crescendo de mais ou de menos. Se o gasto cresce numa trajetória explosiva, cria-se uma incerteza no investidor. Ele começa a pensar se o governo terá de imprimir dinheiro para pagar a dívida pública. Daqui a pouco o investidor começa a temer uma hiperinflação. Aí o governo tem que pagar mais para remunerar os títulos da dívida. O gasto com juros aumenta a dívida pública. Há um consenso de que é preciso, de alguma forma, conter gastos públicos. A grande questão é onde: no salário de funcionalismo, na proteção social, no investimento? 

    :: Haddad, Múcio, Dino, Mauro Vieira e Rui Costa são anunciados como futuros ministros de Lula ::

    Existe um argumento de que o governo pode ficar sem dinheiro para Saúde e Educação sem uma regra fiscal. Isso procede?

    Não existe uma restrição financeira natural. Não é uma força da natureza. A regra fiscal é uma auto imposição institucional. Ou seja, se a gente quiser exceder a regra, o Teto de Gastos, tem como fazer? Tem. Mas aí você entra na economia política. O mercado financeiro e sua representação parlamentar vão tentar segurar. Isso é um conflito da economia política. Você tem várias narrativas, teorias que estão entrando em confronto e que estão tentando se concretizar na forma de legislação.

    Como um governo de centro-esquerda, como o de Lula, vai conseguir aprovar um alternativa ao Teto de Gasto se o senhor acha que ele é vítima até de preconceito?

    Acho que tem duas formas. A primeira é tentar conquistar espaço no Orçamento por meio de regras claras. Elas não vão ser do gosto do mercado financeiro, mas darão ao menos previsibilidade para que esse mercado de adapte a elas. Você vai oferecer algo com metas e prazos claros. O mercado vai se adaptar. O segundo é atrair o capital privado para aliviar suas restrições a um governo de esquerda. Isso pode ser feito através de parcerias público-privadas. Existem desenhos de parceria público-privadas que podem ser feitos pra obrigar o setor privado a não só gerar apenas lucros para os seus acionistas, mas canalizar uma parte disso na forma de investimento, em melhoria e qualidade do serviço. Haddad foi um dos principais desenvolvedores do modelo de parcerias público-privadas quando ele trabalhou no Ministério do Planejamento do Lula.

    Não estou dizendo que isso vai dar certo, que é fácil de fazer, mas são duas possibilidades que permitem ao governo se manter estável e ter governabilidade em face das pressões do mercado financeiro.

    Vinicius Konchinski

    Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

     

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