Para ter soberania alimentar e energética e retomar empregos de qualidade, é preciso reindustrializar. Petrobrás pode dinamizar setor petroquímico e puxar outros setores. O banco, que desde 2016 está sem projeto, será ferramenta central
Aos poucos, e de forma não linear, vai se consolidando um mundo multipolar, liderado por China, Rússia, Índia, Irã, Turquia e outros, que estão à frente do chamado Sul Global. Esses países abrigam populações que somadas representam cerca de 87% dos habitantes da Terra. A atual ofensiva dos norte-americanos contra a Rússia e China, e em geral contra todos os países do Sul, concretizada neste momento pela ardilosa guerra da Ucrânia, está sendo produzida contra 87% da população mundial.
A polarização política que estamos enfrentando no Brasil e em várias outras partes do mundo reflete uma disputa global que tende a se arrastar por vários anos, entre uma proposta de economia mundial dominada pelo dólar e pelo poder bélico norte-americano, e uma alternativa multipolar, possivelmente com o centro na Eurásia (região onde habitam 2/3 da população da Terra). Com a guerra na Ucrânia, todos os sinais de alerta já foram emitidos em relação à oferta de energia e alimentos no mundo. Os governos dos principais países europeus já anunciaram a nacionalização ou reestatização de empresas de energia (Électricité de France, EDF; nacionalização da Sefe na Alemanha, e outras).
Medidas dessa natureza, que vêm sendo adotadas em vários países, decorrem da necessidade de preservação da segurança no abastecimento de energia internamente. Não são ações ideológicas, mas de caráter político e econômico, que tentam evitar o colapso das economias. Com a guerra da Ucrânia e o aumento do preço da energia esses países sentiram na carne os efeitos de ter que dividir as decisões sobre setores estratégicos com a iniciativa privada. Só mesmo um governo muito entreguista como o de Bolsonaro, poderia, neste momento conjuntural, praticamente doar para o setor privado uma companhia com a importância da Eletrobrás.
O golpe perpetrado no Brasil em 2016, coordenado pelos EUA, deve ser compreendido no contexto dessa encarniçada disputa internacional. Michel Temer, que encabeçou o golpe, de saída encaminhou a Medida Provisória n. 795/2017, que reduziu impostos às petrolíferas estrangeiras na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Foi um verdadeiro “pacote de bondades” às multinacionais, que significou para o Brasil a perda de receitas equivalente a R$ 50 bilhões por ano. Foi um crime de lesa pátria, fácil de ser sintetizado em grandes números: com a “MP da Shell” (como ficou conhecida por razões óbvias): em cinco anos o país perdeu R$ 250 bilhões, somente em tributos.
Do ponto de vista político, a MP da Shell foi útil para dissipar qualquer dúvida de que o Brasil sofreu um golpe de Estado em 2016, coordenado por forças imperialistas: as isenções fiscais para as petroleiras, irão representar, no longo prazo, perda de receita na casa de R$ 1 trilhão. As medidas foram tão generosas que o presidente da Shell no Brasil, André Araújo, na ocasião não conseguiu segurar a alegria: “O pré-sal é onde todo mundo quer estar”. Não se pode subestimar (nem esquecer) o papel no golpe de Michel Temer, que é um autêntico testa de ferro dos interesses imperialistas no Brasil, e que encaminhou questões que atrasaram o país em muitos anos, como a referida medida provisória e a aprovação da Emenda Constitucional 95, uma jabuticaba nacional.
O Brasil ainda é o país mais industrializado da América Latina, mas o setor vem sistematicamente perdendo importância no PIB, em uma política típica de país subdesenvolvido e colonizado. Bastou uma guerra na Europa para o Brasil revelar sua vulnerabilidade no abastecimento de fertilizantes, insumo essencial para o setor agrícola. O processo de reindustrialização do Brasil, como tem sido chamado, terá que interromper, dentre outras medidas, o processo de “entrega em fatias” da Petrobrás e recuperar o papel crucial da companhia no desenvolvimento da indústria em geral, do setor petroquímico, na geração de tecnologia, na área de fertilizantes e de energia da biomassa.